Published: 2025-06-20

Neoliberalismo: esvaziamento da esfera pública, autoritarismo e diminuição dos espaços participativos Neoliberalism: emptying of the public sphere, authoritarism and decrease in participatory spaces Neoliberalismo: vaciado de la esfera pública, autoritarismo y disminución de espacios participativos

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Francisco Fonseca

How to Cite

Fonseca, F. (2025). Neoliberalism: emptying of the public sphere, authoritarism and decrease in participatory spaces. Administración & Desarrollo, 55(1), e1223. https://doi.org/10.22431/25005227.1223

Recibido: 20 de noviembre de 2024; Aceptado: 15 de enero de 2025

Resumo

O objetivo deste artigo é analisar os fundamentos do neoliberalismo, assumindo sua oposição à democracia política (no caso da participação social) e à social-democracia (direitos sociais diferenciados). Examina-se, ainda, a penetração do ideário neoliberal (ultraliberal) na administração pública por meio da “reforma gerencial”, bem como a conexão entre o golpe parlamentar (deflagrado em 2016 no Brasil) e os valores emanados dessa ideologia.

Para tanto, analisam-se metodologicamente as principais ideias do neoliberalismo; os princípios da reforma gerencial (e o caráter excepcional das disposições dela derivadas); os casos das Organizações Sociais de Saúde (OSS) durante a era da COVID-19, mas que se normalizam no cotidiano, no caso do município de São Paulo, por meio de documentos-fonte; e o principal documento produzido pelo partido político golpista, o PMDB, que tem como premissa o ideário neoliberal herdado de Hayek e de outras ideologias. Da mesma forma, estudam-se os programas antissociais e antipopulares que alteraram substancialmente a vida política, econômica e social brasileira: as chamadas contrarreformas. Conclui-se que a agenda ultraliberal se consolidou no Brasil, esvaziando a esfera pública e reduzindo os espaços de participação, devido à sua visão de mundo autoritária, ancorada em interesses privados.

Palavras-chave:

agenda neoliberal, bem-estar social, gerencialismo, participação, golpe de estado.

Resumen

El objetivo de este artículo es analizar los fundamentos del neoliberalismo, tomando como hipótesis su oposición a la democracia política (en el caso de la participación social) y a la socialdemocracia (derechos sociales diferenciados). Asimismo, examinar la penetración de las ideas neoliberales (ultraliberales) en la administración pública, a través de la “reforma de la gestión”, así como la vinculación del golpe de Estado parlamentario (lanzado en 2016 en Brasil) a los valores surgidos de esta ideología.

Para ello, en términos metodológicos, se analizan las principales ideas del neoliberalismo; los principios de la reforma de la gestión (y la excepcionalidad de las disposiciones que de ella se derivan); los casos de las Organizaciones Sociales de Salud en la época del COVID-19, que se normalizaron en la vida cotidiana, en el caso del municipio de São Paulo, a través de documentos fuentes; y el principal documento elaborado por el partido político golpista, el PMDB, cuyo presupuesto son las ideas neoliberales heredadas por Hayek y otras ideologías. De igual manera, se estudian los programas antisociales y antipopulares que han alterado sustancialmente la vida política, económica y social brasileña: las llamadas contrarreformas. Se concluye que la agenda ultraliberal entró en vigor en Brasil vaciando la esfera pública y reduciendo los espacios de participación, debido a su cosmovisión autoritaria, anclada en intereses privados.

Palabras clave:

agenda neoliberal, bienestar social, gerencialismo, participación, golpe de Estado.

Abstract

The objective is to analyze the foundations of neoliberalism, taking as a hypothesis its opposition to political democracy (in the case of social participation) and social democracy (differentiated social rights). Likewise, the objective is to examine the penetration of neoliberal (ultraliberal) ideas in the Public Administration, through the “management reform”, as well as the linking of the parliamentary coup d’état (launched in 2016 in Brazil) to the values emerged from this ideology.

To do this, in methodological terms, the following are analyzed: the main ideas of neoliberalism; the principles of management reform (and, from it, the exceptional nature of the provisions that derive from it, cases of Social Health Organizations, in the time of COVID, but which are normalized in daily life, in the case of the municipality of São Paulo, through source documents); and the main document prepared by the coup political party, the PMDB, whose budget is the neoliberal ideas inherited by Hayek and other ideologies, as well as the antisocial and antipopular programs that have substantially altered Brazilian political, economic and social life: the so-called counter-reforms. It is concluded that the ultraliberal agenda came into force in Brazil, emptying the public sphere and reducing spaces for participation due to its authoritarian worldview, anchored in private interests.

Keywords:

Neoliberal agenda, social welfare, managerialism, participation, coup d’état.

Introdução

Neoliberalismo é um sistema ideológico, sócio/político e econômico, isto é, uma doutrina política, que influencia as mais diversas arenas da vida em sociedade: da subjetividade individual à organização econômica dos países e consequentemente o sistema político (Dardot e Laval, 2016). Especificamente quanto ao conceito de que a sociedade, notadamente os trabalhadores, têm direitos, isto é, o Estado de Bem-Estar Social, suas premissas voltam-se ao combate à “sociedade fundada nos direitos igualitários”, uma vez que “individualismo”, “meritocracia” e “competição” são as variáveis-chave do neoliberalismo. Portanto, o Estado Social representaria o oposto do “individualismo possessivo” (Macpherson, 1979) e, logo, o inimigo a ser combatido. Em relação à democracia, há inquestionável contrariedade dos teóricos neoliberais -que preferimos denominar como “ultraliberais”, dada sua radicalidade, tendo sido chamados de “liberistas” por teóricos críticos para que ficasse claro ser uma cepa específica do liberalismo- à “regra da maioria”, uma vez que possibilitadora justamente de “direitos sociais independentemente do mérito”, bordão alardeado por Mises (1987), Hayek (1987) e Friedman (1985), entre outros. Logo, a democracia como conceito político é submetida ao mercado, retirando sua independência conceitual das estruturas mercantis.

Igualmente, a democracia como dimensão “social” direitos e desmercadorização em meio às estruturas capitalistas, à luz de (Andersen, 1991) é, como fora aludido, tomada como inimiga a ser combatida. Portanto, a democracia política e social - dupla face da democracia moderna - tem sido deslegitimada por esses intelectuais, erigindo-se em discurso hegemônico, influenciando dessa forma decisivamente a disputa pelo “senso comum”, no sentido gramsciano do termo.

Em particular os temas da “participação social” e do “controle social” são repudiados como formas degeneradas, supostamente encarnadas em “populismos”, “irresponsabilidades fiscais”, “bolivarianismos” (em linguagem contemporânea), entre outras que se oporiam à primazia do mercado sobre o Estado e sobre a sociedade. De acordo com Klein (2007), tratar-se-ia da versão extremada do capitalismo contemporâneo e intitulada como “doutrina do choque” por impor, se preciso pela violência, o imperativo do mercado sobre a sociedade.

Nesse contexto, desde a década de 1980/90, na Europa e nos EUA, a agenda neoliberal promoveu inúmeras transformações: privatização em massa, desregulação e desregulamentação de serviços privatizados, desconexão entre o capital produtivo e o especulativo, e ampla reforma da administração pública por meio do movimento New Public Management, que implicou a prestação de serviços públicos por terceiros, com ou sem fins lucrativos, entre inúmeras outras formas de “privatização do Estado”, o que abriu espaço para a consolidação dos “governos empresariais” (Dardot e Laval, 2016).

O Brasil, que aplicara partes importantes dessa agenda desde Collor e FHC, implementou a “reforma gerencial” tão logo FHC ascendeu ao poder, cujos impactos, por meio das “Organizações Sociais” - figuras jurídicas criadas para permitir a presença de atores privados como prestadores de serviços públicos - serão analisados abaixo no caso do município de São Paulo.

Do ponto de vista político, e saltando alguns anos na história, a situação política, econômica e social brasileira após o golpe de Estado parlamentar, ocorrido em 2016, submeteu a sociedade brasileira ao complexo e profundo Estado de Exceção. Daí analisarmos o documento-síntese produzido pelo principal partido político organizador do golpe de Estado, o Partido do “Movimento Democrático Brasileiro” (cujo adjetivo “democrático” tornou-se meramente retórico), assim como programas que vêm alterando substantivamente a vida política, econômica e social brasileira, caso das (contra)“reformas” trabalhista e previdenciária, do teto de gastos sociais e da lei que instituiu o Banco Central independente.

Tais transformações foram possíveis tanto em razão do quadro de exceção como do funcionamento/atuação de “partidos políticos” informais, sobretudo das elites econômicas nacionais e internacionais, vocalizadas pelas instituições políticas (caso da Operação Lava Jato) e pela grande mídia. Dessa forma, analisa-se a realidade brasileira pós-golpe por meio dos pressupostos provindos da ideologia (ultra)liberal, uma vez que hegemônica - embora contraditória e profundamente assimétrica - após 2016. Deve-se notar que o golpe ocorrido no Brasil é verificável, de formas distintos, em outros países e situações, constituindo-se aparentemente no modus operandi do “ultraliberalismo”, por excelência autoritário, em perspectiva internacional.

Este artigo está organizado da seguinte forma: essa introdução; metodologia; análise dos seguintes aspectos: premissas da agenda neo/ultraliberal, a reforma gerencial e o caso do município de São Paulo como exemplo de privatização das políticas públicas, e o impeachment (isto é, golpe de Estado) perpetrado em 2016. Todos esses aspectos como expressões da modus operandi neoliberal. Conclui-se com a análise dos resultados.

Metodología

Foram utilizadas diversas estratégias metodológicas tendo em vista as distintas abordagens, em forma de subseções, que compõem este artigo.

Quanto aos pressupostos do ultra(neo)liberalismo, foram utilizadas obras centrais de seus principais ideólogos, bem como comentadores. Quanto à subseção sobre a reforma gerencial e o caso do município de São Paulo, foram analisadas inúmeras fontes documentais, tais como leis, decretos, normativas e indicadores, paralelamente à bibliografia específica. Em relação à subseção sobre o impeachment/golpe de 2016, o principal documento examinado foi “Uma ponte para o futuro”, publicado pelo partido político que comandou o golpe de Estado: o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), também ao lado de obras que comentassem o período em tela. Portanto, a metodologia está ancorada em triangulação de fontes: bibliografia específica, fontes documentais e indicadores.

Análise

Para que as ideias deste texto fiquem claras, é importante apresentarmos os pressupostos do pensamento neoliberal. O corpus doutrinário do ideário neoliberal é aqui denominado de ultraliberal em razão de sua radicalidade. As ideias-chave -personificadas em propostas e programas de governo-, desenvolvidas pelos intelectuais ultraliberais, podem ser assim tipificadas: precedência da esfera privada (o indivíduo livre no mercado) sobre a esfera pública; máxima desestatização da economia, privatizando-se todas as empresas sob controle do Estado; desproteção aos capitais nacionais, que deveriam competir livremente com seus congêneres estrangeiros; desmontagem do Estado de bem-estar social, pois concebido (e estigmatizado) como ineficaz, ineficiente, perdulário, injusto/autoritário (por transferir aos mais pobres parcelas de renda dos mais ricos ou bem-sucedidos, que assim o seriam, estes, por seus próprios méritos), e indutor de comportamentos que não valorizariam o mérito e o esforço pessoais; forte pressão pela quebra do pacto corporativo entre capital e trabalho, em nome da liberdade de escolha individual e da soberania do consumidor: daí o vigoroso apoio a “reformas trabalhistas” precarizantes; desregulamentação e desregulação da produção, da circulação dos bens e serviços, do mercado financeiro e das relações de trabalho; ênfase nas virtudes do livre-mercado, em dois sentidos: como instrumento prodigioso por aumentar a riqueza, gerando em consequência a natural distribuição de renda, em razão do aumento da produtividade; e como único mecanismo possível de refletir os preços reais dos produtos e serviços, possibilitando aos indivíduos o exercício de cálculos em relação à atividade econômica; concepção de liberdade como “liberdade de mercado”, isto é, ausência de empecilhos à relação capital/trabalho e à livre realização dos fatores produtivos; concepção “negativa” da liberdade, isto é, caracterizada como ausência de constrangimentos (que não apenas os imprescindíveis à vida em sociedade) e interferências da esfera pública em relação à esfera privada; aceitação da democracia apenas e tão-somente se possibilitadora do mercado livre e da liberdade individual; concepção de que a sociedade deve oferecer a cada indivíduo (no aspecto fiscal e quanto a políticas públicas) apenas e tão-somente o quanto esse último contribuíra para a mesma. Trata-se da inversão do lema socialista, pois valoriza-se a desigualdade, que, dessa forma, deveria refletir méritos distintos. O fiscalismo é levado às últimas consequências contra os pobres, preservando os privilegiados; híper valorização do sistema jurídico (nomocracia), pois estruturante e avalista da sociedade contratual composta por indivíduos autônomos em suas ações em virtude de seus interesses; crença de que o Estado interventor é, intrinsecamente, produtor de inúmeras crises: fiscal, burocrática, de produtividade, entre outras. Daí a pressão pelas “reformas do Estado orientadas para o mercado” e pela defesa da diminuição de impostos e dos gastos governamentais; ênfase nas mínimas, porém importantes, funções do Estado, que deveria possuir os seguintes papeis: garantir a ordem e a paz, a propriedade privada, os contratos livremente elaborados entre os indivíduos, o livre-mercado, por meio da proibição de práticas anticoncorrenciais e da elaboração de “normas gerais e abstratas”; e desregulamentar, desregular e flexibilizar os mercados: de capitais, produtivo e de trabalho.

Uma parte dessas ideias constitui-se verdadeira Agenda de reformas, propugnada principalmente pelos think-tanks e transmitidas pelos aparelhos privados de hegemonia. Essa Agenda foi adaptada a cada país, conservando-se, contudo, tanto as matrizes como o ethos que as preside. Para compreender como ocorreu a conquista, pelos ultraliberais, dos corações e mentes dos formadores e retransmissores de opinião em países distintos analisa-se brevemente uma das escolas ultraliberais, a “escola” Austríaca, pois formadora original do corpus doutrinário ultraliberal.

A escola Austríaca - escola tomada aqui no sentido de formação doutrinária de pensar -, que originou a atualização do liberalismo a partir de fins do século XIX, fora, segundo o Sandroni (1985), “(...) constituída por um grupo de economistas que lecionou na Universidade de Viena e sustentou algumas ideias comuns, mais tarde englobadas no marginalismo. O ponto de partida (...) consistiu em chamar a atenção para os fundamentos psicológicos do valor (...) acreditaram poder reconstituir abstratamente os mecanismos da vida econômica” (p. 144). Nessa escola, desde os anos 1920 a figura de Ludwig Von Mises aparece em destaque, notadamente em virtude da crítica que fizera à planificação, vista como destruidora das liberdades. Observe-se como o radicalismo (ultra)liberal, mesmo em circunstâncias tão críticas como as acima referidas (depressão econômica), é expresso por esse autor, e posteriormente incorporado por todos os adeptos dessa doutrina:

Simplesmente não há outra escolha que não esta: ou abster-se de interferir no livre jogo do mercado, ou delegar toda a administração da produção e distribuição ao governo. Capitalismo ou socialismo: não há meio termo. (...) Onde quer que o governo recorra à fixação dos preços, o resultado é sempre o mesmo. Quando, por exemplo, o governo fixa um teto para os aluguéis residenciais, segue-se, imediatamente, um déficit de moradias. (Mises, 1987, p. 79)

Como se observa, para o pensamento ultraliberal não apenas seria impossível, teoricamente, formas de controle sobre o mercado - vinculado a um sistema misto de produção -, como ineficaz, pois seus resultados seriam opostos aos pretendidos. Esse pressuposto, aliás, seria válido inclusive quanto ao desemprego, mesmo com o fenômeno da depressão, pois, segundo Mises (1987):

Dar suporte ao desempregado, por meio do governo ou do sindicato, serve apenas para ampliar o mal. Se o que estiver envolvido for o desemprego, causado pelas mudanças dinâmicas da economia, o auxílio-desemprego resultará no adiamento do ajuste dos trabalhadores às novas condições. O trabalhador desempregado que esteja por isso aliviado não considera necessário procurar uma nova ocupação, se já não encontra emprego em sua antiga ocupação. (...) Se os auxílios-desemprego não forem fixados a um teto muito baixo, pode-se dizer que, na medida em que seja oferecido, o desemprego não desaparecerá. (p. 84)

Dessa forma, mesmo em relação a temas socialmente explosivos não deveria o Estado intervir, no caso protegendo os que perderam vagas no mercado, pois este, em razão de suas virtudes intrínsecas, cedo ou tarde se reequilibraria. Em outras palavras, o desemprego de hoje seria compensado com o emprego, em outras áreas ou setores, proximamente. Daí os auxílios, sobretudo o seguro-desemprego, serem considerados perniciosos, inclusive para o ânimo dos desempregados, que se acomodariam em ser sustentados pelo Estado, isto é, pelo contribuinte. Como o mercado é concebido como instituição infalível, e espontânea, qualquer artificialismo perturbaria sua ordem natural, dificultando ou impedindo a plena realização de seus benefícios. Essas ideias são esclarecedoras sobre o radicalismo ultraliberal e, mais, clarificam as razões de seu ocaso após a grande crise de 1929.

A passagem acima ilustra cabalmente a crença renitente do autor, assim como de outros ideólogos ultraliberais, em seus princípios, o que fez que esses intelectuais se tornassem inflexíveis e radicais.

Portanto, a escola austríaca, assim como outras escolas similares (caso da Escola de Chicago e da Escola de Virgínia) funcionaram tanto como produtoras de princípios teóricos como propagadoras ideológicas, com grande capacidade de aglutinar e espraiar temas da agenda ultraliberal, em contraposição militante à social-democracia e ao reformismo, pois defensores da “sociedade de direitos”. A essência discursiva é voltada à preponderância da liberdade individual, em várias dimensões, no contexto do “individualismo possessivo” (Macpherson, 1979), do “governo empresarial” (Dardot e Laval, 2016) e da “individuação das relações sociais”, preconizado por Hayek e outros ideólogos, cuja precarização das relações de trabalho e diminuição dos direitos sociais são consequências inescapáveis, mas ignoradas ou refutadas em nome do “mérito individual”, segundo os cânones neoliberais.

Vejamos agora o papel do neoliberalismo no Brasil, por meio da reforma gerencial efetivada na administração pública e particularmente o caso das políticas públicas de saúde “privatizadas” na principal cidade brasileira: o município de São Paulo.

O liberalismo brasileiro historicamente empunhou a bandeira da “desoneração” das responsabilidades estatais: nos anos 1940 pela União Democrática Nacional; durante a ditadura militar pela via da descentralização administrativa promovida pelo Decreto-Lei 200; e sobretudo na pós-redemocratização, no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, como projeto neoliberal de forte influência internacional nos governos Collor e FHC por meio das “reformas orientadas para o mercado”.

Após o enfrentamento de agudas crises econômicas com sucessivas reformas, criou-se solo fértil para a expansão do projeto neoliberal. Dentre as diversas medidas econômicas que foram adotadas para o controle da inflação estavam os incentivos à redução dos gastos públicos (ajuste fiscal), a diminuição do Estado e a redução dos investimentos sociais.

Sob o governo FHC esse projeto foi materializado, entre outros, na criação do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), que editou o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), em 1995, coordenado pelo ministro Bresser-Pereira, que teorizou vigorosamente sobre a reforma (Bresser-Pereira, 2017).

Dentre as estratégias propostas destaca-se a desoneração da ação estatal direta no campo dos serviços públicos considerados “não exclusivos”. Daí a criação das Agências Autônomas e das Organizações Sociais (OS), tidas como fundamentais para “a descentralização visando dotar o Estado de uma estrutura organizacional moderna, ágil e permeável à participação popular” (MARE, 1995, p. 58). A implementação das OS implicaria publicização de parte das atividades executadas pelo Estado a entidades que teriam autorização legislativa para celebrar o Contrato de Gestão. É interessante observar a retórica quanto à participação sovial em contraste à “gestão por resultados” a partir de pressupostos empresariais.

A Lei nº 9.637 (Brasil, 1998), advinda da reforma, pretendeu qualificar o que seriam as Organizações Sociais (OS) e publicizar os serviços, descentralizando-os para o “setor público não-estatal”. Tal norma define o Contrato de Gestão (CG) como “o instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social, com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades” (art. 5º). Na sua elaboração, dever-se-ia atentar para as metas estipuladas no Plano de Trabalho e sua avaliação periódica de desempenho.

Caberia à administração pública realizar o controle pelos resultados pactuados. Mas o que se entende por resultados e como se mede seu alcance tem variado muito entre os contratos estabelecidos, pois o Governo Federal demorou mais de dezenove anos para regulamentar a lei por meio do Decreto nº 9.190 (2017), o que levou os governos subnacionais a regulamentarem a sua própria contratualização por resultados, como é o caso de São Paulo.

No município de São Paulo a contratualização foi disciplinada pela Lei nº 14.132, Brasil (2006), alterada pela Lei nº 14.664, Brasil (2008), e regulamentada por uma série de decretos, sendo o último o de nº 58.376, Brasil (2018). Na Secretaria Municipal de Saúde (SMS) o instrumento jurídico do CG vem sendo utilizado desde 2007, sofrendo significativas alterações desde 2014, tais como: a implantação do modelo de “Rede Assistencial”, substituindo os contratos assinados anteriormente e dividindo a cidade entre nove Organizações Sociais de Saúde (OSS), por meio da assinatura de 22 Contratos de Gestão.

Esses contratos são periodicamente aditados para incluir novos serviços. O primeiro deles já foi aditado 26 vezes desde 2014 e recentemente renovado após o prazo de vencimento de 5 anos, sem que houvesse chamamento público (que é o processo de escolha da OS, embora falho, pelo poder público). A prorrogação foi autorizada pelo Decreto nº 58.376/2018 para os CG de Saúde pelo prazo de até 20 anos, sem que fosse avaliado o custo-benefício do modelo de contratação.

Gradualmente, as unidades de saúde foram incorporadas aos CG e, em 2019, das 942 unidades municipais, isto é, 66,2 %, estavam sob gestão das OSS. Na atenção básica esses números chegam a quase 80 %, segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), de 2019. Deve-se atentar para a magnitude e impactos desses números e prazos, com baixos controles institucionais, baixa participação e vultosos valores. A perspectiva neoliberal denomina tal processo como “exitoso”.

No atendimento hospitalar e pré-hospitalar o percentual de unidades sob responsabilidade das OSS é um pouco abaixo da média em razão de as demais unidades estarem sob responsabilidade da administração indireta, pela Autarquia Hospitalar Municipal (AHM), conforme dados do CNES, também de 2019.

Considerando o acompanhamento, avaliação e fiscalização dos CG municipais, há atribuições distintas para as diversas instâncias. Contudo, embora exista arcabouço institucional, sua prática está muito aquém do que se propõe formalmente. Afinal, nenhuma das etapas - da escolha da OSS, passando pela elaboração do contrato de gestão, até à avaliação do serviço prestado - está disponível para acompanhamento público e são frequentemente objeto de questionamentos pelo Tribunal de Contas do Município (TCM). Não é possível saber: se as OSS entregaram os serviços contratados na quantidade e qualidade previstas; se as instituições responsáveis atestaram a presença dos profissionais nas unidades; se os conselhos se reuniram; se foram aplicados os descontos devidos ou se os relatórios aprovou foram apresentados e analisados publicamente. Note-se que tais ocultações colocam em xeque alguns preceitos basilares da administração pública, da transparência e do controle social.

O Conselho Municipal de Saúde de São Paulo, órgão de controle, composto por Governo, profissionais e usuários, registra falta de informações sobre a atuação das OSS.

O atraso na elaboração de relatórios e a ausência de elementos que permitam avaliar os CG são frequentemente questionados pelo Tribunal de Contas do Município de São Paulo. Em relatório de fiscalização publicado (TC/003773/2019) verificou-se “Fragilidade na justificativa para a realização de chamamento público, devido à falta de demonstração da vantajosidade da adoção do contrato de gestão em comparação com a administração direta dos serviços de saúde” e “que os indicadores adotados não permitem, em sua maioria, a apuração da qualidade dos serviços”. Os Tribunais de Contas, contudo, pouco podem fazer para reverter situações consideradas problemáticas, como as apontadas.

Como se observa, os mecanismos de transparência quanto aos serviços prestados e aos recursos repassados às OSS são, na prática, precários. Mas o valor repassado é significativo. Note-se que, em 2019, o orçamento total liquidado do Fundo Municipal de Saúde (FMS) foi R$ 9 271 838 476. Desses, 44,2 % (R$ 4 098 680 000,00) foram destinados ao pagamento de OSS via Contratos de Gestão, conforme dados da SMS de 2020.

A análise dos distintos documentos e indicadores disponíveis leva à conclusão de que a contratualização não está pautada em estudos e evidências que demonstrem a eficiência e efetividade dos CG em comparação com a administração direta quanto à produtividade, melhoria de indicadores e eficiência nos gastos públicos. Ao menos, não são disponibilizadas informações que permitam essa análise.

Em outras palavras, se as decisões da administração pública devem estar pautadas pelos princípios que a regem, dos quais se destacam economicidade e publicidade de suas ações, os CG celebrados pecam em ambos, como demonstrado pelos documentos oficiais.

No caso de São Paulo analisou-se o papel dos agentes privados na área da saúde no período da pandemia da COVID-19, uma vez que demonstrou seu caráter disruptivo nas mais distintas dimensões. Compreender esse processo não é simples e exige revisão dos léxicos e modelos mentais hegemônicos, implicando revisitar pressupostos, conceitos e ferramentas para sua compreensão.

Nesta seção discute-se os arranjos institucionais de combate à pandemia tomados em caráter de exceção pela prefeitura de São Paulo, com foco na parceria estabelecida com Organizações Sociais de Saúde (OSS) para a expansão de leitos hospitalares. As dimensões de coordenação e governança (que implicam articulação, controle e planejamento) pela prefeitura e de seus impactos (orçamento, economicidade e transparência dos atos, prestação dos serviços) reapareceram durante pandemia e obrigam-nos a refletir sobre o modus operandi da administração pública sob o gerencialismo neoliberal.

Nesse âmbito, foram estruturados dois hospitais de campanha gerenciados por OSS: no Estádio do Pacaembu, com 200 leitos, gerenciado pelo Hospital Albert Einstein: R$ 21 milhões; e no Complexo do Anhembi, com 1800 leitos, gerenciado pelo Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (IABAS) e pela Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM): R$ 118 milhões.

Apesar de os hospitais terem sido inaugurados respectivamente em 01 e 11 de abril (Secretaria Municipal de Saúde (SMS), 2020), o Termo de Parceria e os Termos Aditivos aos Contratos não foram devidamente publicizados e não continham as informações necessárias à avaliação da prestação dos serviços - nem mesmo pelo poder público municipal. O extrato do Termo de Parceria com o Hospital Albert Einstein foi publicado em 07/05/2020 e os extratos dos termos aditivos aos Contratos de Gestão com o IABAS e a SPDM foram publicados em 09/05/2020.

No entanto, os extratos não continham informações sobre os indicadores de resultados que seriam usados para verificação da eficiência e da qualidade dos serviços prestados. A íntegra desses documentos tampouco foi localizada no portal da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo ou no Portal da Transparência da Prefeitura. Alguns documentos somente puderam ser acessados por meio de consulta do Sistema Eletrônico de Informações (SEI) da Prefeitura Municipal de São Paulo, pela via da pesquisa do número de processo.

A urgência da situação fora inquestionável, de forma que não se pretende relativizar esforços para salvar vidas, o que justifica a agilidade na ampliação dos leitos com dispensa de licitação para aquisição de bens e serviços destinados ao enfrentamento da emergência (Prefeitura Municipal de São Paulo, 2020).

Contudo, o que se observa é que lacunas na transparência (a começar pela seleção dos contratados), nos mecanismos de controle (que são meramente formalísticos) e na eficiência (ausência de métricas claras e economicidade) dos serviços prestados não são excepcionalidades, mas a normalidade da gestão da Política de Saúde no Município de São Paulo. Cerca de 66 % de seus equipamentos já estão sob gestão dessas organizações privadas (conforme o CNES, 19 de abril de 2020).

Nesse sentido, o contexto da pandemia é oportuno para a análise dos alcances e limites impostos pelo modelo de contratualização, advindo do gerencialismo, por sua vez inspirado no movimento internacional New Public Management. Em outras palavras, interessa saber se as OSS atuam sob esses ditames tanto em tempos de normalidade como de excepcionalidade.

É importante ressaltar que se analisa o fenômeno das OSS à luz dos princípios democráticos e republicanos, especialmente transparência, controle social e accountability. Entende-se que abrir-se à participação e ao controle substantivo dos usuários e de instituições de controle - do processo de contratação à prestação do serviço - condiz com a teoria política democrática e com os princípios da administração pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), conforme a Constituição Federal de 1988.

Na revisão de literatura sintetizada por Cunha et al. (2016) essa associação fica clara, pois “a transparência e o direito de acesso à informação governamental são internacionalmente considerados como essenciais para várias funções da democracia, como participação e accountability”, sendo essa última “obrigação de os funcionários públicos informarem sobre o uso dos recursos públicos e responsabilização do governo ao público para atender aos objetivos de desempenho declarados“ (Cunha et al., 2016125).

Em perspectiva teórica, postula-se ainda que a presença privada ostensiva e com baixos controles institucionais e sociais no setor público (Levi, 2009; Lobo, 2014; Pedrosa de Oliveira, 2016) tem modificado a formulação e implementação de políticas públicas, bem como a gestão dos aparatos públicos, por meio de pressupostos, métricas e ferramentas característicos da gestão empresarial (Fonseca, 2019). E que o gerencialismo, promovido anteriormente por reformas em contextos neoliberais, teria criado “governos empresariais” (Dardot e Laval, 2016) em oposição à gestão propriamente “pública” e societária (Paes de Paula, 2005). Segundo esses autores, as políticas públicas seriam, em perspectiva internacional, elaboradas e geridas a partir de pressupostos empresariais. Isso traria consequências negativas com relação à transparência e accountability, a ponto de não ser possível sustentar empiricamente que a figura jurídica do Contrato de Gestão (CG), celebrado entre as OS e o poder público, traria maior eficiência à administração pública.

Tem-se como hipótese que a excepcionalidade das ações tomadas durante a pandemia são comuns no cotidiano da administração pública quando se analisa o ciclo completo dessas contratualizações: seleção pouco transparente das Organizações Sociais; pressupostos, objetivos, métricas e ferramentas advindos dos agentes privados, com baixa e coordenação pública e societal; controles públicos formalísticos, não substantivos; e baixa participação social dos usuários.

Para tanto, como se observa, busca-se analisar conceitualmente a origem das OSS na reforma gerencial, o funcionamento desse modelo no município de São Paulo, e o papel da participação democrática.

Ainda quanto ao município de São Paulo quando da rápida disseminação da COVID-19, no dia 30/03/2020 a Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Hospital Albert Einstein (SBIBAE) apresentou à SMS Procedimento de Manifestação de Interesse Social (PMIS) prontificando-se a operar um hospital de campanha (SBIBAE, 2020), conforme processo SEI no6018.2020/0020290-1.

Nesse documento, a entidade estabelece os serviços contemplados e como se daria a gestão do equipamento. Propôs-se a realização de Termo de Parceria, admitindo a SBIBAE como responsável pela gestão do hospital e argumentando em favor da maior agilidade e flexibilidade para contratação de serviços. O documento prevê “sempre que necessário, (a apresentação) de Plano de Trabalho contendo previsão de receitas e despesas a serem realizadas” (SBIBAE, 2020), além de determinações sobre prestação de contas e garantia de transparência, mas não se específica como seriam esses mecanismos. Ao final é apresentada planilha com proposta orçamentária para atuação entre abril e julho na unidade no Pacaembu, totalizando R$ 20 939 228,00. Atente-se para a magnitude do valor.

No mesmo dia a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) editou informação à CPCSS, à Coordenadoria Regional de Saúde Norte e à AHM determinando que fossem pactuados urgentemente planos de trabalho para a gestão de hospitais de campanha. Define, ainda, que os leitos operacionalizados no Complexo Esportivo do Pacaembu fossem2 pactuados com a SBIBAE “com dispensa de chamamento público em razão da notória excelência da entidade no combate à COVID-19” (SMS, 2020). Em relação às instalações no Complexo do Anhembi, define que os contratos de gestão das entidades (IABAS e SPDM) fossem aditados.

Foi publicado, em 02/04/2020, parecer favorável da Assessoria Jurídica da AHM à pactuação e despacho autorizatório para celebração de parceria com a SBIBAE no montante estipulado pelo PMIS da entidade. No entanto, o extrato do Termo de Convênio 001/2020, firmado entre a AHM e o Hospital Albert Einstein, publicado no DOC em 07/05/2020, não continha informações sobre como se daria a avaliação dos serviços. Nem mesmo o Termo de Convênio (acessado na íntegra por meio do portal do Sistema Eletrônico de Informações - SEI) continha informações sobre como os serviços prestados seriam mensurados. Aliás, até o dia 08 de julho, quando foi autorizada a rescisão do contrato para a gestão do Hospital de Campanha do Pacaembu (conforme dados constantes na página 63 do Diário Oficial da Cidade - DOC), nada havia sido publicado nesse sentido.

Verifica-se, inclusive, que o Tribunal de Contas do Município abriu processo de fiscalização relativo ao Termo de Convênio 001/AHM/2020, conforme TC no 007874/2020, publicado no DOC em 09/07/2020, solicitando “esclarecimentos, documentos complementares, indicação dos agentes públicos responsáveis diretos pelos atos analisados (em razão da necessidade de individualização da conduta) e, em especial, encaminhamento de justificativas acerca das questões relativas ao valor da contratação.”

Em relação à unidade no Complexo do Anhembi, os extratos dos termos aditivos 31/2020 firmado com o IABAS e 30/2020 com a SPDM, publicados no DOC em 09/05/2020, permitem verificar que a SPDM seria responsável pela operacionalização de 310 leitos no valor de R$ 35.292.724,00, e o IABAS 566 leitos no valor de R$ 82 804 025,29, repassados entre abril e julho de 2020. Sobre a avaliação desses serviços, somente no dia 28/05/2020, data em que foi publicado no DOC o resumo do Termo de Apostilamento ao Contrato de Gestão R021/2016 com o IABAS, é que se “Estabelece os indicadores de qualidade para o Hospital de Campanha do Anhembi, avaliado conforme grade de qualidade anexa e alterar o período de entrega dos indicadores de qualidade para medição do período de abril a julho de 2020.”

Apesar de o extrato mencionar o anexo de indicadores do Contrato de Gestão R021/2016, alterado pelo Termo de Apostilamento, o mesmo não se encontra no Processo SEI 6018.2020/0020290-1 e não foi localizado, impedindo, portanto, o conhecimento pelo público dos critérios estabelecidos para avaliação dos resultados desse Contrato. Quanto ao Contrato de Gestão R008/2015 com a SPDM, não foi localizada no DOC nenhuma menção a mudanças nos critérios de avaliação, decorrentes do aditamento para implantação de leitos no Hospital de Campanha do Anhembi, para enfrentamento da COVID-19.

Diante da ausência desses documentos, indaga-se: como saber se o que foi contratado foi entregue?; a mensuração foi apenas em número de leitos instalados?; qual foi a equipe mínima e como foi composta?; quais parâmetros para definir a qualidade no atendimento?; quais critérios subsidiaram a estipulação desses valores? Tais aspectos críticos, entre outros, têm sido pouco questionados porque o foco é o combate à pandemia, isto é, a situação de excepcionalidade, mas que, como demonstrado, são inobservados no cotidiano da gestão contratualizada dos serviços, isto é, em tempos de normalidade.

A reforma gerencial criou as OSS como demanda legítima pela oxigenação do poder público ao contar com a expertise dos agentes privados. Tais agentes, contudo, não se submetem aos ditames de direito administrativo e o poder público não logra fiscalizar e coordenar sua gestão de forma efetiva e transparente, e menos ainda sua eficiência e efetividade são comprovadas à luz de procedimentos e indicadores claros e controláveis. O caráter pulverizado da prestação dos serviços de saúde, uma vez que há muitas entidades distintas, torna ainda mais distante e difícil a coordenação do setor público perante a saúde pública. Reitere-se que os postulados poliárquicos e da accountability estão ausentes desse arcabouço jurídico desde sua constituição, embora não requeridos por seus idealizadores, uma vez que postulavam a prestação ágil e eficaz dos serviços públicos (caso de Bresser-Pereira). Contudo, a maneira como foram se desenvolvendo tem levado a situações em larga medida opostas. É significativo a ausência de vozes provindas do ultraliberalismo quanto ao questionamento de o uso do dinheiro público não ser transparente.

Por fim, reitere-se que a reforma gerencial, analisada acima a partir do caso concreto do maior município do país, foi vigorosamente inspirada em princípios neoliberais, articulados, por sua vez, à agenda de privatizações, abertura do mercado, desfinanciamento social, desregulação e desregulamentação, isto é, à agenda ultraliberal, cuja “reforma da administração pública” se insere de forma cabal.

Analisaremos, por fim, abaixo, a outra face do neoliberalismo: a aplicação da doutrina do choque pela via do golpe de Estado ocorrido em 2016.

A perspectiva capitalista do choque (Klein, 2007), experimentada na década de 1970 no Chile durante a ditatura militar sob Pinochet, veio avançando em diversos lugares do mundo: Rússia pós Gorbatchev no início da década de 1990, Iraque com a invasão dos EUA (décadas de 1990 e 2000), e o Brasil do golpe do impeachment em 2016, apenas para citar três casos distintos, dentre inúmeros outros.

Dessa forma, o impeachment representou a artificial desestabilização político/ideológica conduzida pelo consórcio golpista (grande capital internacional e nacional transnacionalizado, classes médias superiores, parte do sistema partidário liderado pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro - PMDB, grande mídia e Poder Judiciário), rompendo as bases institucionais e sistêmicas que antes pareciam previsíveis e estáveis, e naquele momento se mostram movediças e inconstantes. A instabilidade não atingiu somente dimensões institucionais da democracia liberal. Do ponto de vista das políticas públicas, ocorreram ataques articulados à cidadania social, que por seu turno já eram discutidos publicamente, caso da publicação, em 2015, do programa do PMDB, intitulado “Uma ponte para o futuro”, que propunha série de medidas privatizantes, desreguladoras e desregulamentadoras, notadamente dos direitos sociais e trabalhistas. Numa palavra, tratou-se da agenda ultraliberal legatária do movimento analisado neste artigo, portanto radicalizada e com desprezo pelas regras democráticas. Segundo esse documento do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) (2015), logo na página 2, as mudanças seriam drásticas, pois: “Nesta hora da verdade, em que o que está em jogo é nada menos que o futuro da nação, impõe-se a formação de uma maioria política, mesmo que transitória ou circunstancial, capaz, de num prazo curto, produzir todas estas decisões na sociedade e no Congresso Nacional”. Como se observa, “maioria transitória ou circunstancial” significou “maioria parlamentar” protagonizadora do golpe de Estado em descompasso ao sentimento majoritário dos brasileiros. Mais ainda, o Plano do PMDB, por sua vez vinculado a centros de pensamento ultraliberal, como o Instituto Millenium e o Departamento de Economia da PUC/RJ, entre outros, incluindo-se os internacionais - todos igualmente legatários da tradição hayekiana, as quais se juntaram outros ultraliberais, como Mises e Friedman -, tinha clareza quanto à derrogação da “sociedade de direitos”, pois o projeto ultraliberal foi assim definido nas páginas 18 e 19 do documento (Uma ponte para o Futuro, do PMDB, 2015):

  1. construir uma trajetória de equilíbrio fiscal duradouro, com superávit operacional e a redução progressiva do endividamento público;

  2. estabelecer um limite para as despesas de custeio inferior ao crescimento do PIB, através de lei, após serem eliminadas as vinculações e as indexações que engessam o orçamento;

  3. alcançar, em no máximo 3 anos, a estabilidade da relação Dívida/PIB e uma taxa de inflação no centro da meta de 4,5%, que juntos propiciarão juros básicos reais em linha com uma média internacional de países relevantes - desenvolvidos e emergentes - e taxa de câmbio real que reflita nossas condições relativas de competitividade;

  4. executar uma política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada, por meio de transferências de ativos que se fizerem necessárias, concessões amplas em todas as áreas de logística e infraestrutura, parcerias para complementar a oferta de serviços públicos e retorno a regime anterior de concessões na área de petróleo, dando-se a Petrobras o direito de preferência;

  5. realizar a inserção plena da economia brasileira no comércio internacional, com maior abertura comercial e busca de acordos regionais de comércio em todas as áreas econômicas relevantes - Estados Unidos, União Europeia e Ásia - com ou sem a companhia do Mercosul, embora preferencialmente com eles. Apoio real para que o nosso setor produtivo integre-se às cadeias globais de valor, auxiliando no aumento da produtividade e alinhando nossas normas aos novos padrões normativos que estão se formando no comércio internacional;

  6. promover legislação para garantir o melhor nível possível de governança corporativa às empresas estatais e às agências reguladoras, com regras estritas para o recrutamento de seus dirigentes e para a sua responsabilização perante a sociedade e as instituições;

  7. reformar amplamente o processo de elaboração e execução do orçamento público, tornando o gasto mais transparente, responsável e eficiente;

  8. estabelecer uma agenda de transparência e de avaliação de políticas públicas, que permita a identificação dos beneficiários, e a análise dos impactos dos programas. O Brasil gasta muito com políticas públicas com resultados piores do que a maioria dos países relevantes;

  9. na área trabalhista, permitir que as convenções coletivas prevaleçam sobre as normas legais, salvo quanto aos direitos básicos; na área tributária, realizar um vasto esforço de simplificação, reduzindo o número de impostos e unificando a legislação do ICMS, com a transferência da cobrança para o Estado de destino; desoneração das exportações e dos investimentos; reduzir as exceções para que grupos parecidos paguem impostos parecidos;

  10. promover a racionalização dos procedimentos burocráticos e assegurar ampla segurança jurídica para a criação de empresas e para a realização de investimentos, com ênfase nos licenciamentos ambientais que podem ser efetivos sem ser necessariamente complexos e demorados;

  11. dar alta prioridade à pesquisa e o desenvolvimento tecnológico que são a base da inovação.

Mesmo que parte desse programa seja retórico, caso das referências à democracia e ao respeito às instituições, assim como ao desenvolvimento nacional, trata-se de libelo ultraliberal, notadamente a ênfase fiscalista em detrimento do gasto social; a centralidade da iniciativa privada em detrimento da ação do Estado, assim como a ênfase na competição e na abertura dos mercados nacionais; a peremptória diminuição do papel do Estado como importante player ao desenvolvimento e regulador das atividades privadas; a extinção e redução de programas sociais em nome da “avaliação de seus impactos” (sem a correspondência quanto aos subsídios aos empresários, o que, de certa forma, contraria a doutrina ultraliberal); a derrogação da CLT; a avaliação de que licenciamentos ambientais seriam “obstáculos” a serem diminuídos/removidos, tornando o país aberto a toda forma de investimento do capital. Todos esses aspectos compõem claro quadro de derrogação da sociedade de direitos (desproteção social e trabalhista), de desregulação e desregulamentação das atividades econômicas (e ambientais), de retomada do padrão subalterno norte/sul nas relações exteriores e de completa ausência de soberania nacional. Impressiona como, na segunda década do século XXI, ideais ultraliberais gestados ao final do século XIX foram/são tomadas como “modernas”, mesmo a despeito de seus retumbantes fracassos, cujos indicadores econômicos e sociais são prova inconteste.

Mas o fato é que esse ideário político/ideológico modifica sobremaneira, como espécie de placas tectônicas, o sentido de desenvolvimento político, econômico e social. As políticas públicas são, dessa forma, realidade mutável extremamente vulnerável dessas transformações, como vimos no caso das OSS.

Tanto o projeto ultraliberal expresso pelo documento “Uma ponte para o futuro” como a trama política sorrateira que levou ao aludido processo artificial de desestabilização da presidenta continham a agenda anti direitos que, no caso da deposição da presidenta Dilma, representaria concretamente: reforma anti-trabalhista (terceirização irrestrita e derrogação na prática da CLT), congelamento dos gastos sociais por vinte anos (caso da Emenda Constitucional no 95/2016), tentativa de liquidação da previdência social, desfazimento de um sem-número de direitos sociais e extinção da soberania econômica nacional. Trata-se da agenda ostentada pelo partido que adota o liberalismo mas ironicamente intitula-se Partido da Social Democracia Brasileira e que, nas últimas quatro eleições em que disputou foi derrotado e em 2016 implementou a agenda ultraliberal (sobretudo pelo PMDB) sem a legitimidade do voto.

A deposição presidenta Dilma Rousseff transcorreu “a toque de caixa”: o impeachment foi sacramentado em agosto de 2016 e logo na sequência foi aprovado o referido projeto de emenda constitucional que representou um outro golpe, agora no arcabouço de políticas sociais no Brasil, a EC no 95/2016, reiterando a primazia da austeridade fiscal exclusivamente sobre as contingências sociais e das políticas públicas voltadas aos pobres (o pagamento dos juros da dívida interna e os subsídios/isenções a setores do capital continuaram, assim como reajustes salariais ao Poder Judiciário e militares). Já julho de 2017 outro capítulo do projeto “Ponte para o Futuro” foi concretizado: a aprovação da referida Reforma Trabalhista (precedida pela terceirização irrestrita), paralelamente às tentativas de reforma da Previdência, que fora gestada sob o governo ilegítimo de Temer e implementada sob o governo de Bolsonaro.

Mas deve-se ressaltar que a dimensão política no que tange à participação popular torna-se igualmente afetada tanto pelas premissas ultraliberais (notadamente a individuação das relações sociais) como por sua agenda (derrogação de direitos). Temas como participação popular, controle social, gestão societal e democracia política e social são claramente ou desestimulados (caso da “privatização” da saúde) ou reprimidos na era liberal do capitalismo individualizante e de choque.

Por fim, o golpe de 2016 foi chancelado pelo Poder Judiciário, Leite e Fonseca (2018), assim como os inúmeros atentados às garantias legais relacionadas ao Partido dos Trabalhadores (a prisão do ex-presidente Lula sem provas é exemplo cabal). Igualmente, os direitos sociais e trabalhistas, que foram derrogados inconstitucionalmente (vide desrespeito aos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, em áreas como direito humanos, social e trabalhista), foram e têm sido claramente permitidos pelas altas cortes judiciais do país.

Logo, a derrocada da ordem democrática no Brasil refere-se tanto às regas do jogo político como aos direitos sociais e trabalhistas. Em outras palavras, a democracia política e social foi corroída no país, sendo a agenda ultraliberal inserida autoritariamente, uma vez que não tem votos nem legitimidade, além de historicamente representar fracasso retumbante em perspectiva internacional.

Resultados

Como vimos, neoliberalismo, aqui tomado em sua versão radicalizada pró-mercado (daí o intitularmos também como ultraliberalismo) é um sistema doutrinário que influencia as mais diversas arenas da vida em sociedade: da subjetividade individual à organização econômica dos países e consequentemente o sistema político. Especificamente quanto ao Estado de Bem-Estar Social, reitere-se que suas premissas voltam-se ao combate à “sociedade fundada nos direitos igualitários”, uma vez que “individualismo”, “meritocracia” e “competição” são suas variáveis-chave. Portanto, o Estado Social representaria o oposto do “individualismo possessivo” (Macpherson, 1979) e, logo, o inimigo a ser combatido.

Em relação à democracia, há inquestionável contrariedade dos teóricos neoliberais à “regra da maioria”, uma vez que possibilitadora justamente de “direitos sociais independentemente do mérito”, bordão alardeado por Mises, Hayek e Frieman, entre outros. Logo, a democracia como conceito político é submetida ao mercado, retirando dela sua independência conceitual, enfatize-se. Igualmente, a democracia como dimensão “social” (direitos e desmercadorização em meio às estruturas capitalistas) é tomada como inimiga a ser combatida. Portanto, a democracia política e social -dupla face da democracia moderna- é deslegitimada pelo pensamento ultraliberal, impactando várias arenas sociais.

Particularmente, temas como “participação social” e “controle social” são repudiados como formas degeneradas, encarnadas em “populismos”, “irresponsabilidades fiscais”, “bolivarianismos” (em linguagem contemporânea) e todas as formas opostas à primazia do mercado sobre o Estado e sobre a sociedade.

Quanto ao gerencialismo, tomado como “modernizador” da administração pública, nada mais significou do que o esvaziamento da esfera pública -tanto no sentido de sua substituição pelos agentes privados quanto à prestação de serviços, como pela perda de capacidade de planejamento e mesmo de fiscalização do Estado- e consequentemente a hipertrofia de agentes privados, grande parte advindos do mercado e cuja atuação central é o lucro. Foram erigidos, dessa forma, “governos empresariais”.

Portanto, este artigo objetivou analisar conceitualmente os fundamentos do neoliberalismo com vistas a examinar tanto o advento do gerencialismo como a situação política, econômica e social brasileira após o golpe de Estado parlamentar, ocorrido em 2016, que submeteu a sociedade brasileira ao complexo Estado de Exceção neoliberal.

Conclui-se que as ideias ultraliberais se tornaram hegemônicas no Brasil, penetrando em diversas arenas: no Estado, em importantes segmentos dos trabalhadores, nas diversas camadas sociais, nos valores culturais e ideológicos da sociedade brasileira, processo esse que se encontra em aberto, mas que fora parcialmente derrotado com a vitória do presidente Lula, agora em seu terceiro mandato.

Referências

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O objetivo deste artigo é analisar os fundamentos do neoliberalismo, assumindo sua oposição à democracia política (no caso da participação social) e à social-democracia (direitos sociais diferenciados). Examina-se, ainda, a penetração do ideário neoliberal (ultraliberal) na administração pública por meio da “reforma gerencial”, bem como a conexão entre o golpe parlamentar (deflagrado em 2016 no Brasil) e os valores emanados dessa ideologia.

Para tanto, analisam-se metodologicamente as principais ideias do neoliberalismo; os princípios da reforma gerencial (e o caráter excepcional das disposições dela derivadas); os casos das Organizações Sociais de Saúde (OSS) durante a era da COVID-19, mas que se normalizam no cotidiano, no caso do município de São Paulo, por meio de documentos-fonte; e o principal documento produzido pelo partido político golpista, o PMDB, que tem como premissa o ideário neoliberal herdado de Hayek e de outras ideologias. Da mesma forma, estudam-se os programas antissociais e antipopulares que alteraram substancialmente a vida política, econômica e social brasileira: as chamadas contrarreformas. Conclui-se que a agenda ultraliberal se consolidou no Brasil, esvaziando a esfera pública e reduzindo os espaços de participação, devido à sua visão de mundo autoritária, ancorada em interesses privados.

Keywords:
agenda neoliberal, bem-estar social, gerencialismo, participação, golpe de estado

The objective is to analyze the foundations of neoliberalism, taking as a hypothesis its opposition to political democracy (in the case of social participation) and social democracy (differentiated social rights). Likewise, the objective is to examine the penetration of neoliberal (ultraliberal) ideas in the Public Administration, through the "management reform", as well as the linking of the parliamentary coup d'état (launched in 2016 in Brazil) to the values emerged from this ideology.

To do this, in methodological terms, the following are analyzed: the main ideas of neoliberalism; the principles of management reform (and, from it, the exceptional nature of the provisions that derive from it, cases of Social Health Organizations, in the time of Covid, but which are normalized in daily life, in the case of the municipality of São Paulo, through source documents); and the main document prepared by the coup political party, the PMDB, whose budget is the neoliberal ideas inherited by Hayek and other ideologies, as well as the antisocial and antipopular programs that have substantially altered Brazilian political, economic and social life: the so-called counter-reforms. It is concluded that the ultraliberal agenda came into force in Brazil, emptying the public sphere and reducing spaces for participation due to its authoritarian worldview, anchored in private interests.

Keywords:
Neoliberal agenda, social welfare, neomanagerialism, participation, coup d'état

El objetivo es analizar los fundamentos del neoliberalismo, tomando como hipótesis su oposición a la democracia política (en el caso de la participación social) y a la socialdemocracia (derechos sociales diferenciados). Asimismo, el objetivo es examinar la penetración de las ideas neoliberales (ultraliberales) en la Administración Pública, a través de la “reforma de la gestión”, así como la vinculación del golpe de Estado parlamentario (lanzado en 2016 en Brasil) a los valores surgidos de esta ideología.

Para ello, en términos metodológicos, se analizan: las principales ideas del neoliberalismo; los principios de la reforma de la gestión (y, de ella, la excepcionalidad de las disposiciones que de ella se derivan, casos de las Organizaciones Sociales de Salud, en la época del Covid, pero que se normalizan en la vida cotidiana, en el caso del municipio de São Paulo, a través de documentos fuentes); y el principal documento elaborado por el partido político golpista, el PMDB, cuyo presupuesto son las ideas neoliberales heredadas por Hayek y otras ideologías, así como los programas antisociales y antipopulares que han alterado sustancialmente la vida política, económica y social brasileña: el las llamadas contrarreformas. Se concluye que la agenda ultraliberal entró en vigor en Brasil vaciando la esfera pública y reduciendo los espacios de participación debido a su cosmovisión autoritaria, anclada en intereses privados.

Keywords:
Agenda neoliberal, bienestar social, gerencialismo, participación, golpe de Estado

Francisco Fonseca, Pontifical Catholic University of São Paulo

Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo. É professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/Eaesp) e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Principais temas de análise: Políticas Públicas (conceitos e áreas temáticas, entre as quais "sistema de justiça" e "vulnerabilidades sócio/institucionais"), Estado e Governo, Política Brasileira, Administração Pública, Gestão Pública, Doutrinas e ideologias políticas.

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