A governança e procedimentos de accountability na política municipal de saúde Governance and Accountability Procedures in Municipal Health Policy Procedimientos de gobernanza y rendición de cuentas en la política sanitaria municipal
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Recibido: 20 de noviembre de 2024; Aceptado: 15 de enero de 2025
Resumo
Este estudo aborda a governança da política municipal de saúde e os procedimentos de responsabilização. A partir de meados da década de 1990, com a vigência da Constituição Federal de 1988 e a instituição do Sistema Único de Saúde (SUS), o município passou a exercer o papel de operacionalizar essa política com novas formas de governança, baseada no modelo de rede, com a inclusão do conselho municipal de saúde. Dada a importância de compreender essa nova configuração, realizou-se um estudo de caso qualitativo com o objetivo de analisar o processo de governança da política de saúde do município de Viçosa, MG, mais especificamente os procedimentos de responsabilização. Como técnicas de pesquisa, foram utilizadas entrevistas, documentação e observações. Constatou-se que a institucionalização, pela prefeitura municipal, de mecanismos de governança de accountability não surtiu o efeito esperado, pois dentre outros motivos, os representantes da sociedade civil não tiveram o envolvimento esperado no conselho municipal de saúde, o que prejudicou a accountability da governança do setor municipal de saúde.
Palavras-chave:
governança pública, política municipal de saúde, accountability.Resumen
Este estudio aborda la gobernanza de la política sanitaria municipal y los procedimientos de rendición de cuentas. A partir de mediados de la década de 1990, con la promulgación de la Constitución Federal de 1988 y la creación del Sistema Único de Salud (SUS), el municipio pasó a asumir el papel de operacionalizar esa política con nuevas formas de gobernanza basadas en el modelo de red, con la inclusión del consejo municipal de salud. Dada la importancia de comprender esta nueva configuración, se realizó un estudio de caso cualitativo con el objetivo de analizar el proceso de gobernanza de la política de salud del municipio de Viçosa, MG, más específicamente los procedimientos de rendición de cuentas. Se utilizaron como técnicas de investigación entrevistas, documentación y observaciones. Se encontró que la institucionalización, por parte del gobierno municipal, de mecanismos de gobernanza de la rendición de cuentas, no tuvo el efecto esperado, pues los representantes de la sociedad civil no tuvieron el involucramiento acordado en el consejo municipal de salud, entre otros problemas, lo que perjudicó la rendición de cuentas de la gobernanza del sector salud municipal.
Palabras clave:
gobernanza pública, política municipal de salud, accountability.Abstract
This study deals with the governance of municipal health policy and accountability procedures. From the mid-1990s onwards, under the ruling of the 1988 Federal constitution and the establishement of the Sistema Único de Saúde (SUS), the municipality began to play the role of operationalizing this policy with news forms of governance, based on a network model, with the inclusion of the municipal health council. Given the importance of understanding such new configuration, a qualitative case study was conducted with the objective of analyzing the governance process of the health policy of the municipality of Viçosa, MG, more specifically the accountability procedures. As techniques of research interviews, documentation and observation were applied. It was found that the institucionalization by the municipal government of governance mechanisms of accountability, did not have the expected effect, as civil society representatives did not have the envolvement expected in the municipal health council, among others issues, which undermined the accountability of the health municipal sector governance.
Keywords:
public governance, health municipal policy, accountability.Introdução
A partir de 1988, com a aprovação da Constituição de 1988, iniciam-se profundas transformações na estrutura político-administrativa brasileira. No que se refere à gestão pública, novas diretrizes se fizeram presentes, como a descentralização, que transferiu aos entes da federação a responsabilidade por formular, implementar e avaliar as suas próprias políticas, com autonomia administrativa e financeira, voltadas para áreas sociais diversas, tais como assistência social, saúde, educação, direitos da criança e do adolescente e outras. A partir dessas novas diretrizes, o Estado brasileiro passou por inúmeras transformações no que tange à consolidação da autonomia dos municípios, à descentralização de recursos, permitindo que o governo municipal estivesse mais próximo das demandas da sociedade, e que as representações sociais tivessem acesso a esse governo, compartilhando a responsabilidade por tomadas de decisões sobre alguns problemas públicos.
Assim, o processo de redemocratização, que se traduz em um novo momento do federalismo brasileiro, teve como projeto básico o fortalecimento dos governos subnacionais, valorizando o governo municipal e a criação de mecanismos que proporcionaram maior participação da sociedade na gestão pública.
Concomitantemente, impôs-se aos municípios o desafio de lidar com as complexidades referentes tanto à diversidade de atores dispostos nas arenas políticas quanto às diversidades das políticas públicas. A política de saúde se destaca em um contexto de coordenação federativa em que o governo federal exerce o papel de direcionador. Por sua vez, das funções dos estados pode-se citar a elaboração de normas e políticas de saúde, o monitoramento da adoção das iniciativas do Sistema Único de Saúde (daqui por diante SUS); e o município o papel de executor da política, sendo a política municipal de saúde objeto do presente estudo.
Para a operacionalização da política de saúde pelo município, deve-se compreender a governança da política realizada pelo município. A compreensão da governança municipal, especialmente dos processos e dos arranjos estruturais da política e dos atores, pode colaborar no alcance dos objetivos da coordenação federativa da política pública de saúde seja alcançado e, principalmente, que as demandas municipais de saúde específicas sejam atendidas. Para a consolidação de um arranjo de governança na área da saúde municipal, é necessário não somente o aperfeiçoamento de competências técnicas e gerenciais, mas, também, o enfrentamento dos dilemas políticos, a definição das responsabilidades federativas, o estabelecimentos de articulação com os diversos atores envolvidos, um maior envolvimento com os atores não governamentais (mercado e sociedade civil), o reconhecimentos das demandas municipais específicas, a construção de bases consistentes de planejamento municipal, o estabelecimento de uma rede integrada para a execução da política em âmbito municipal e a adoção de procedimentos que favoreçam à accountability.
Importa considerar que, apesar dos desafios a serem enfrentados, o desenho institucional do SUS torna os municípios um local privilegiado para o reconhecimento das demandas de saúde da sociedade e de resoluções dos desafios e dilemas. Assim, necessário se faz o desenvolvimento de bases consistentes de governança municipal capazes de fornecer suporte técnico, gerencial e político às políticas de saúde adotadas no município (Fleury et al., 2010).
Diante do exposto, o presente estudo buscou resposta para o seguinte problema de pesquisa: como ocorre da Governança da Política Municipal de Saúde de Viçosa-MG, considerando os procedimentos de accountability? O que se propõe neste estudo é compreender o processo de governança da política de saúde do município de Viçosa-MG, mais especificamente, os procedimentos que favorecem à accountability.
Por ser oportuno, a presente pesquisa escolheu como base teórica a concepção de governança pública defendida por Pierre e Peters (2000), que consideram o entendimento da mesma a partir da compreensão do processo e da estrutura. A fim de cumprir os objetivos propostos por esta pesquisa, realizou-se um estudo de caso da política de saúde do município de Viçosa-MG, o que viabilizou uma minuciosa pesquisa. No segundo tópico desse estudo realizou-se a discussão sobre a governança pública. No item três, são apresentados os procedimentos metodológicos para a realização da pesquisa. A análise dos dados é apresentada no capítulo quatro. Por fim, são apresentadas as considerações finais do estudo.
Justifica-se essa análise pelo fato de que, o estudo dos procedimentos que favorecem à accountability e como se dá a governança de políticas públicas municipais se torna importante no momento atual, por ser um momento de crise financeira vivenciada no Brasil, em que se verifica uma diminuição da capacidade financeira do governo central em realizar os repasses financeiros aos subnacionais, um aumento dos números de assistidos pelo SUS, em função da diminuição dos assistidos por planos de saúde privados; e também pelo fato do governo federal acenar para a diminuição da coordenação federativa, a partir de várias medidas, como a Portaria n. 3.992 de 2017. Acredita-se, pois, na possibilidade deste estudo contribuir com o desenvolvimento de uma linha de pesquisa centrada no campo de governança de políticas públicas e dos procedimentos de accountability, nas diversas áreas de ação. Na prática, os achados desta pesquisa podem apresentar novos elementos para auxiliar na construção de planos que favoreçam à accountability e a forma da governança em rede, ampliando, assim, as possibilidades de estratégias para o seu aperfeiçoamento. Cabe dizer que este trabalho busca complementar análises feitas sobre o Conselho Municipal de Saúde de Viçosa (Pinto e Ckagnazaroff, 2024).
Governança Pública
O conceito de governança tem sido bastante discutido, ao longo dos últimos anos, no âmbito da gestão pública. Entretanto, apesar de já ser utilizado há algumas décadas, o termo ainda possui imprecisões de sentido e de significado. Stoker (1998) argumenta que as revisões de literatura, em geral, indicam que a base do termo ‘governança’ refere-se ao desenvolvimento de várias formas de governar que consideram o limite entre o público e o privado pouco preciso.
Pierre e Peters (2000), acreditam que pode-se pensar governança como estrutura e como processo. A governança como estrutura, segundo Pierre e Peters (2000), pode ser analisada por meio de seus arranjos mais comuns, sendo eles: hierarquia, mercado e redes. O modelo burocrático e hierarquizado é conduzido por meio de estruturas verticalmente integradas, com base essencialmente em leis que fortalecem a distinção entre o público e o privado, em vez de superá-la. Nesse modelo, o Estado assume o papel de guardião do interesse coletivo, distanciando-se, para isso, da sociedade e exercendo um papel de comando e controle (Pierre e Peters, 2000).
Segundo Pierre e Peters (2000), essa forma de relação entre Estado e sociedade tem sido alteradas e tem se tornando cada vez mais horizontal. Estas modificações têm ocorrido em consequência da superação do modelo burocrático e hierarquizado para o modelo que considera o mercado e as redes (Bevir, 2011).
Pode-se identificar, portanto, que o uso tradicional do termo ‘governança’ estava associado à ideia de governo, porém, nos estudos mais atuais, o termo tem seu sentido redirecionado, tomando nova forma semântica, sendo utilizado como um novo processo de gestão, isto é, uma nova forma de governo de determinada sociedade (Stoker, 1998). Nessa linha, Pires e Gomide (2015) entendem que há um redirecionamento dos arranjos centrais que se apoiavam em estruturas hierárquicas do Estado para outros mais descentralizados, com maior participação de diversos atores e dotados de mecanismos de coordenação. Dessa forma, o desenvolvimento de políticas públicas requer arranjos mais complexos, nos quais, o poder de decisão e a execução das políticas sejam compartilhados entre os diversos atores, governamentais e não governamentais (Schneider, 2005).
Desse modo, pode-se entender que a governança reaparece de duas formas no setor público, sendo a primeira, a Nova Gestão Pública (NGP); e a segunda forma, as redes (Bevir, 2011). A concepção de reforma administrativa e gerencial da administração pública, defende a institucionalização de técnicas de gestão do setor privado no setor público, sendo o governo visto como um prestador de serviços públicos aos seus clientes (Peters, 2005). Privatizações e terceirizações de produtos e serviços públicos fazem parte dessa primeira possibilidade de reforma. É a ideia do less government, conforme coloca Stoker (1998).
Por outro lado, a governança em redes tem como concepção uma forma flexível e responsiva de gestão que se baseia no entendimento de que os atores sociais atuam em relações estruturadas. As redes, como forma de governança, compreendem uma variedade de atores, instituições governamentais e não governamentais atuando em um determinado setor de políticas, que facilitam “a coordenação do interesse e dos recursos públicos e privados e, a esse respeito, aumentam a eficiência na implementação de políticas públicas” (Pierre e Peters, 2000, p. 20).
Vale ressaltar, que Robichau (2011) entende que os três modelos de governança em termos de estrutura (Pierre e Peters, 2000) (ou seja, a hierarquia, o mercado e as redes), não são praticados na sua forma mais pura. Neste sentido, Kissler e Heidman (2006) apontam que estudos empíricos demonstram que os arranjos são verdadeiros ‘mix’ de governança, ou seja, caracterizam-se por estruturas híbridas que atuam com diferentes mecanismos de gestão, e Costa (2015) considera que é comum formas hibridas.
Entretanto a governança deve ser refletida não somente sob o ponto de vista da estrutura, pois esquemas de governança implicam em relações entre vários atores/organizações, sendo necessária, então, uma reflexão sobre governança como processo. Pierre e Peters (2000) discutem a governança como processo e acreditam que a mesma deve ser dinâmica em termos de configuração e objetivos, e que a influência e a interação dos diversos atores mudariam ao longo do tempo e da área gerenciada.
Pierre e Peters (2000) argumentam que governança, em determinadas situações, refere-se à coordenação de uma área específica. Eles entendem que a governança se refere a um processo dinâmico, que trata da interação entre os atores públicos e privados e de quais resultados a interação entre eles alcançam; e ressaltam que o Estado exerce um papel central na produção de resultados e no gerenciamento de possíveis tensões. Diante do exposto, a perspectiva sobre governança como processo a considera como um conjunto de mecanismos e procedimentos, que trata das interações entre os atores e dos resultados que essa interação alcança (Pierre e Peters, 2000).
Os modelos de governança na administração pública requerem uma população ativa que pode ser mobilizada e incentivada a participar das ações do setor público (Peters, 2005). Para que essa participação ocorra necessário se faz o desenvolvimento de procedimentos que envolvem o atendimento de transparência, de accountability e o maior envolvimento da sociedade (Bovaird, 2005).
Ao entender que a governança pública procura compatibilizar os ideais democráticos com os da busca de melhor desempenho das políticas (Ckagnazaroff, 2009), cabe destacar dois aspectos da governança: a estrutura e o processo.
Em relação a estrutura, se verifica que apesar das vantagens da utilização das redes para lidar com as necessidades públicas, existem problemas e desafios nessa utilização. McGuire e Agranoff (2011) consideram que as limitações nas redes se dividem em: operacionais, de desempenho e burocráticas. As operacionais se referem a problemas como a assimetria de poder entre as entidades envolvidas na rede, a ênfase exagerada em processos e as barreiras técnicas e políticas. As limitações de desempenho referem-se à necessidade de avaliação se as redes realmente funcionam, em que circunstâncias elas trabalham, e se a forma de governar é aprimorada em relação ao modelo hierárquico. As limitações burocráticas consideram a preocupação em relação à posição do Estado na rede e ao grau em que elas estão substituindo os órgãos administrativos públicos. Neste ponto, é bom ressaltar que as redes não têm suplantado as instituições governamentais; assim, elas permanecem limitadas, com pouca flexibilidade por causa do excesso de regras, na medida em que elas se relacionam com as agências burocráticas. (McGuire e Agranoff, 2011).
Pierre e Peters (2000) entendem que as três formas de refletir sobre a estrutura de governo enfatizam o impacto das estruturas e das instituições no desenvolvimento das políticas, e que, para se obter uma ‘boa’ governança, é necessário manipular as estruturas dentro das quais se presume que as políticas públicas foram geradas, e “que a governança é um resultado dinâmico de atores sociais e políticos e, portanto, se as mudanças são exigidas, é a dinâmica que deve ser abordada”.
No que diz respeito à estrutura de governança da administração pública no Brasil, seguindo a abordagem de Pierre e Peters (2000), até a década de 1980, ela era hierárquica, com uma certa descentralização; com centralização decisória e financeira no governo federal, e a execução das políticas públicas a cargo do estado e dos municípios. É preciso considerar que, apesar da centralização federal dos recursos financeiros, são os municípios que estão próximos dos cidadãos e, consequentemente, das suas demandas; dessa forma, o que existia naquele momento, era uma “articulação entre governos estaduais e municipais e governo federal baseada na troca de favores de cunho clientelista, em que muitas vezes as instâncias locais do poder público transformavam-se em agenciadores de recursos federais para o município ou estado” (Farah, 2001). Outra característica da estrutura de governança do Brasil, no período anterior a 1980, era a adoção de um padrão não democrático de articulação entre Estado e sociedade, ou seja, o que ocorria era a exclusão da sociedade do processo de políticas públicas e da ação governamental. Nesse contexto de gestão hierarquizada e de exclusão da sociedade civil da gestão pública, o que se verificava era uma ausência dos mecanismos de controles em relação às ações estatais realizadas, levando a um déficit de accountability e de responsabilidade pública (Farah, 2001).
A partir de 1995, segundo Sano e Abrúcio (2008) já na democracia, as concepções oriundas da NGP começam a ser trabalhadas no Brasil. Em 1996, no governo de Fernando Henrique Cardoso, o ministro Bresser Perreia publica o Plano Diretor da Reforma do Estado, que buscou além da flexibilização e maior accountability da administração pública, fortalecer o funcionalismo público, adotar uma gestão baseada em resultados e na contratualização entre órgãos estatais e entre esses e organizações da sociedade civil. A partir dessas iniciativas, o Estado atuaria mais na regulação e promoção de serviços públicos e tentaria adotar a descentralização, a desburocratização e estabelecer uma gestão mais autônoma. Nos termos de Pierre e Peters (2000) pode se observar a adoção de arranjos de governança baseada em redes à medida que as iniciativas de descentralização, privatização e regulação ocorriam.
Sendo a governança um processo de interação entre diversos atores (Ckagnazaroff, 2009), deve-se considerar a importância que as negociações possuem nesse processo de definição da melhor forma e resultado de políticas públicas (Bovaird e Loiffler, 2003). Ocorre que o desenvolvimento de parcerias e o envolvimento das partes interessadas podem dar ensejo a situações adversas tais como custos mais elevados, atrasos nas tomadas de decisões e implementação e fragmentação da responsabilidade ao permitir que algumas partes interessadas exerçam poder sem passar por verificações. A solução para essas situações é o desenvolvimento de procedimentos que envolvem o atendimento de transparência, de accountability e o maior envolvimento da sociedade (Bovaird, 2005; Oliveira e Ckagnazaroff, 2022; Oliveira e Ckagnazaroff, 2024). Assim, na próxima seção será apresentada a abordagem voltada para accountability utilizada neste trabalho.
Accountability
Para Stoker (1998) e Bovaird (2005 a accountability é componente relevante em processo de governança e, mais especificamente, de gestão de políticas públicas. Bovaird (2005) destaca a ideia de que, como existem vários atores envolvidos no desenvolvimento de determinada política pública, podem ocorrer situações adversas, como, por exemplo, aumento do custo dos serviços, atrasos nas tomadas de decisões e implementação, além de fragmentação das responsabilidades. Stoker (1998) também destaca a possibilidade de que o envolvimento de diversos atores no desenvolvimento de políticas públicas, pode vir a gerar indefinições de responsabilidade, uma vez que pode gerar dúvidas e incertezas nos tomadores de decisões públicas e nos cidadãos sobre quem seria o responsável por determinado serviço público. Nesse sentido, os referidos autores acreditam que, para envolver os atores não governamentais na gestão da política e, ao mesmo tempo, minimizar os efeitos adversos que podem surgir com a incorporação de diversos atores, a instituição de mecanismos que favorecem a accountability é fundamental.
A perspectiva a ser adotada aqui segue a proposta de Bovens (2010) de accountability como mecanismo. Ou seja, ela é entendida como “uma relação entre um ator e um fórum, no qual o ator tem a obrigação de explicar e justificar sua conduta, o fórum pode apresentar questionamentos e julgar, e o ator pode encarar sanções” (tradução livre pelos autores). O ator pode ser um funcionário público, uma autoridade pública, uma organização ou uma agência pública. Por sua vez, o fórum pode ser uma autoridade pública superior, um jornalista, ou uma instituição como o Legislativo, uma corte, ou uma auditoria pública.
Segundo Bovens (2010) a relação entre ator e fórum, em geral, possui três elementos. Inicialmente, antes de que uma relação possa ser considerada de accountability, é necessário que o ator seja ou se sinta obrigado a fornecer informações sobre sua conduta que contemple a sua performance, ou os seus resultados ou os seus procedimentos. Um segundo elemento é a possibilidade do fórum de interrogar e questionar o ator sobre a adequação das informações e a legitimidade de sua conduta. O terceiro elemento é que o fórum possa julgar a conduta do ator, podendo aprovar um relatório anual, denunciando uma política pública, ou condenando publicamente o comportamento de um agente público ou de um órgão público. Em caso de julgamento negativo o fórum pode estabelecer sanções sobre o ator.
Uma classificação clássica de accountability é apresentada por O’Donnell (1988) e se baseis em dois tipos. Ele denomina de accountability vertical, aquela pela qual os cidadãos controlam de forma baixo para cima os governantes, por meio do voto nos representantes, a garantia de liberdade de expressão e de associação que permitem a cidadãos e/ou mobilizarem para apresentar questionamentos e demandas aos governantes e órgãos da administração pública, a presença da midia que posssa canalizar as pressões sociais e cobrir as ações ilegais por parte do ator estatal.
O segundo tipo é accountability horizontal, que consiste na presença de agências estatais com poder e direito legal com determinação para adotar um leque de ações que vai da supervisão, sançãos legais até o impeachment de outras agentes ou agências e órgãos de Estado, cujas ações são consideradas ilegais (O’Donnell, 1988).
Buscando compor a abordagem adotada aqui, cabe ressaltar Abrúcio e Loureiro (2005), que a partir de O’Donnell (1988), consideram a accountability por meio de três formas que corporificam ideais democráticos. A primeira é o processo eleitoral, pelo qual a soberania popular e o controle dos governantes são realizados, considerando que os políticos eleitos tem que prestar contas de suas ações aos cidadãos, ao longo do seu período no poder. Dado que no período eleitoral não se tem meio que garanta que os políticos irão efetivar as promessas feitas na campanha e que a avaliação do seu governo é feita na próxima eleição, a partir do que foi feito ao longo do mandato, é necessário estabelecer instrumentos de fiscalização e participação cidadã em decisões de interesse público ao longo do mandato. No entanto, para tal, é necessárias certas condições, tais como liberdade de expressão, de reunião e respeito as diferenças de opinião (excetuando aquelas contrárias aos princípios democráticos), informação disponível ao eleitorado e direito de voto garantido a todos o conjunto de cidadãos (Abrúcio e Loureiro, 2005). Como dito acima, a eleição é um exemplo de accountability vertical.
A segunda forma é o do controle institucional ao longo do mandato. Tal controle demanda “transparência e visibilidade dos atos do poder público” (Abrúcio e Loureiro, 2005, p. 84. A transparência é fundamental para garantir a confiabilidade e a relevância das informações e que para elas sejam disponibilizadas no tempo certo.
O controle institucional demanda a utilização de cinco instrumentos de accountability ao longo do mandato do governante O primeiro deles é o controle parlamentar, que é exercido pelo Legislativo sobre o Executivo. Para tal o Legislativo fiscaliza o orçamento, nomeia membros da alta burocracia, cria comissões de inquérito verificar a ocorrência de erros em políticas públicas e/ou ações de improbidade administrativa. Para que o Legislativo tenha uma atuação bem-sucedida é necessário que ele tenha capacidade técnica, condições legais para atuar, autonomia financeira e um conjunto de políticos interessados na coisa pública e na democracia que, desse modo, valorize a atividade fiscalizatória do Legislativo (Abrúcio e Loureiro, 2005).
O controle de desempenho visa verificar se governantes e o público cumpriram o que foi estabelecido como metas a serem atingidas. Este tipo de controle proporciona oportunidade de aprendizado organizacional já que se discute o funcionamento dos órgãos, em contexto que deve ser caracterizado pela transparência (Abrúcio e Loureiro, 2005). Em geral, ele se dá por meio de relatórios encaminhados para superiores hierárquicos e/ou níveis de governo superiores. Ele é uma forma de accountability vertical.
Finalmente, como último instrumento de controle institucional se apresenta o controle social. Ele consiste na atuação de representantes da sociedade civil, atuando em instâncias que podem ser consultivas ou deliberativas, exerce a fiscalização ao longo do todo o governo e não apenas no momento da eleição do governante. Ele é operacionalizado por diferentes mecanismos: consulta popular, conselhos consultivos e/ou deliberativos em diferentes políticas públicas, ombusdman, orçamentos participativos e parceria com organizações não-governamentais. Esse controle depende de informação e debate entre os cidadãos, instituições que garantam a fiscalização, regras que garantam a representação dos distintos interesses existentes em relação a temática e “coíbam o privilégio de alguns grupos diante da maioria desorganizada, bem como o respeito ao império da lei e aos direitos dos cidadãos” O controle social pode ser considerado como accountability vertical (Abrúcio e Loureiro, 2005, p.85).
A terceira forma de accountability é constituída por regras estatais intertemporais. Esta forma se refere a legislação constitucional que concerne os direitos básicos do cidadão, as leis que estabelecem os limites do poder discricionário da administração pública, além do processo seletivo do funcionalismo público; e o conjunto legal que lida com o ordenamento orçamentário para garantir sua viabilidade e finalmente a legislação que lida com percentuais de recursos para políticas públicas e com a operação dos direitos difusos. Em suma, eles servem pra garantir o exercício da accountability, já que garantem os direitos básicos dos cidadãos e limita o poder dos governantes ao diferenciar o domínio do Estado daquele do governo (Abrúcio e Loureiro, 2005).
Procedimentos metodológicos
Para atingir o objetivo desta pesquisa de analisar a governança municipal da política de saúde de Viçosa-MG, considerando seu processo e sua estrutura, por meio de um olhar sobre os procedimentos que favorecem à accountability. fez-se a opção por realizar um estudo de caso único da Política de Saúde do Município de Viçosa - Minas Gerais, sendo realizada uma pesquisa em profundidade. A escolha do município foi intencional, em virtude de suas características, mas, principalmente, por apresentar condições de acessibilidade aos dados.
Como técnicas de coleta de dados utilizou-se entrevista, observação não participante e análise documental. Foram entrevistados 22 sujeitos, sendo atores governamentais e não governamentais que se relacionam com a política de saúde do município, que foram codificados com o intuito de preservar a identidade dos mesmos, sendo E01 a E22. As entrevistas foram realizadas no período de março de 2017 a janeiro de 2018.
A presente pesquisa também é classificada como documental, uma vez que foram utilizados documentos oficiais do município estudados, sendo o recorte temporal para a pesquisa documental o período de 2014 a 2018. Foram realizadas análises sobre as leis municipais, leis federais e as normas operacionais de saúde e de assistência à saúde emitidas pelo Ministério da Saúde.
A observação não participante foi utilizada para complementar as informações, sendo realizadas visitas, acompanhamento de procedimentos realizados no âmbito da Secretaria Municipal de Saúde, observações durante as reuniões do Conselho Municipal de Saúde e participação da Conferência da Vigilância em Saúde do Município de Viçosa (realizada em 17 de agosto de 2017). A observação foi realizada durante toda a etapa de coleta de dados para esta pesquisa, tendo ocorrido de janeiro de 2017 a fevereiro de 2018.
Os dados coletados foram tratados pelo método da análise de conteúdo, tendo sido classificados e agrupados de acordo com as dimensões que se desejou estudar, sendo: controle interno e externo; prestação de contas; responsabilização e publicização (Bardin, 1997).
Análise dos dados
Para compreender a governança municipal da política de saúde do município estudado, a partir dos procedimentos que favorecem à accountability, buscou-se entender os procedimentos de controle interno e externo, de prestação de contas, responsabilização e publicização. Na área da Saúde Pública no Brasil, accountability é tratada de diversas maneiras (Martins, 2024).
A adoção de mecanismos de accountability é importante para a governança de políticas públicas, uma vez que pode levar à aproximação e à incorporação de diversos atores nas questões públicas, e ao controle social do processo de implementação da política. Daí o objetivo de analisar os procedimentos adotados, nesse sentido, pelo governo municipal de Viçosa-MG. Para tanto, buscou-se identificar os procedimentos de controle interno, externo e social, a forma de prestação de contas, as ações de transparência, e como ocorre a responsabilização das ações municipais de saúde. A NOB-96 (Norma operacional básica do SUS) determina que os serviços de saúde não precisam, necessariamente, serem executados por unidades de propriedade do governo municipal, concedendo a prerrogativa ao município para que se valha da prestação de serviços por unidades públicas de ente federativo e por unidades privadas (Brasil, 1997). Entretanto, a Lei n. 8.080/90 e a própria NOB-96 estabeleceram que governo municipal é responsável pelo controle e pela avaliação dos serviços prestados pelas unidades de saúde (estatais ou privados) situadas em seu município (Brasil, Lei n. 8.080, 1990). Tais instrumentos legais podem ser considerados como exemplos de accountability na forma de regras estatais.
Tais medidas de controle, de avaliação e de monitoramento dessas prestações de serviço podem alimentar de informação os procedimentos de accountability. Entretanto, identifica-se, a partir das entrevistas, que, na prática, o governo municipal adota poucas medidas de controle e avaliação das atividades executadas pelas suas unidades de saúde.
Identificou-se, também, que o controle da execução da saúde no município ocorre por meio de verificação e acompanhamento do cumprimento de metas por parte dos próprios departamentos/unidades de saúde. O entrevistado E07 aponta para o fato de que o acompanhamento e a avaliação das ações de saúde realizadas pelo governo municipal é quantitativa, não sendo realizadas avaliações qualitativas da execução dos serviços de saúde.
O gestor municipal da saúde (E11) reconhece a falta de acompanhamento das ações de saúde, e sinaliza que a secretaria está desenvolvendo procedimentos que visam aprimorar esse acompanhamento. Segundo o entrevistado E11:
Está sendo desenvolvida uma ferramenta de avaliação; aí, eu vou pegar um indicador, qual meta a realizar. A própria tabela criada já dá para sinalizar para o funcionário que ele está dentro; isso vai ser entregue para os funcionários; aí, quem cumpriu está azul, quem não cumpriu, está atrasado, em vermelho; ou ele está atrasado na execução ou não informou. (E11, comunicação pessoal, 14 de dezembro de 2017
Entretanto, pode-se verificar que o relato do entrevistado E11 confirma a ideia de que o acompanhamento considerado por ele se refere, simplesmente, ao cumprimento de metas por parte das unidades de saúde. Nesse sentido, o entrevistado E07 destaca que a Secretaria Municipal de Saúde acompanha as atividades realizadas pelos seus departamentos, a partir do Relatório de Metas, instituído pelo governo municipal. Esses relatórios dos departamentos/unidades são utilizados pela gestão municipal para acompanhar as ações de saúde, mas, também, fornecem base para a prestação de contas da Secretaria Municipal de Saúde, que, de fato, é apresentada para os órgãos de controle da própria administração pública, para os órgãos de controle governamental e para a sociedade civil. Sobre a prestação de contas das ações de saúde para a administração municipal, o governo municipal instituiu, no município, o Plano de Metas, a partir do qual as secretarias municipais, inclusive a secretaria de saúde, devem apresentar as metas propostas para o próximo quadrimestre e, concomitantemente, apresentar o Relatório de Metas do último quadrimestre. Esses relatórios quadrimestrais dão base para a elaboração do Relatório Anual de Gestão (RAG). Considerando o depoimento do E07 e os documentos analisados, o esforço de acompanhamento e o registro dos dados decorrentes de tal procedimento se caracteriza como accountability na forma de controle institucional, mais especificamente controle de desempenho. Por outro lado, deves-e ressaltar a limitação do monitoramento, que vai além da simples verificação de cumprimento de metas, já deve verificar também as razões dos resultados atingidos e condições de trabalho, por exemplo.
Além da prestação de contas da saúde para a própria administração municipal, a secretaria de saúde também presta contas aos órgãos de controle governamental e para a sociedade civil, por meio do RAG que é encaminhado para apreciação do poder legislativo municipal e do Conselho Municipal de Saúde. O entrevistado E11 descreve esses procedimentos de prestação de contas da seguinte forma:
A gente (secretaria municipal de saúde) tem essa avaliação das metas, tem as metas planejadas (...) Elas foram pactuadas em dezembro (...) Nós vamos pactuar esse ano agora para o ano que vem. A execução é avaliada (pelo governo municipal) de quatro em quatro meses, mas a meta é anual; aí tem o consolidado final que é Relatório Anual de Gestão, que a gente apresenta no final do ano, lá na câmara municipal e no conselho municipal, porque é onde os vereadores e os conselheiros realmente veem aplicação do recurso com o retorno do serviço. (E11, comunicação pessoal, de dezembro de 2017)
O entrevistado E07 destaca que esses relatórios, que dão base para a prestação de contas da secretaria de saúde do município, são desenvolvidos a partir dos indicadores gerados por sistemas de informação estabelecidos pelo governo estadual e federal. No mesmo sentido, o entrevistado E10 destaca que todas as ações realizadas pelas unidades de saúde do município são registradas em um sistema de informação, o eSUS, a partir dos quais os governos estadual e federal verificam a prestação de contas. Considerando os depoimentos de E07, E11 e E10, esforço de acompanhamento e registro dos dados decorrentes de tal procedimento se caracteriza como accountability na forma de controle institucional, mais especificamente controle de desempenho.
Ressalta-se que o conjunto normativo brasileiro da área da saúde também conferiu à União e aos estados a função de controle e fiscalização, cabendo ao governo federal, as auditorias e as avaliações relacionadas aos programas nacionais, e, ao governo estadual, a função de acompanhamento, avaliação e controle das redes regionalizadas. No que diz respeito à atuação do governo estadual nesse sentido, de fato, verifica-se que a Superintendência Regional de Saúde da Macrorregião Leste do Sul (GRS) acompanha e orienta os registros nesses sistemas de informação de forma efetiva. Se identifica aqui que instrumentos legais podem ser considerados como accountability na forma de regras estatais.
Verificou-se, partir das entrevistas e da observação não participante, que, conforme atribuição de competências aos entes no contexto da coordenação federativa da política de saúde, a função de monitoramento das ações municipais de saúde tem sido realizada pelo governo estadual, cabendo a esse a fiscalização, a orientação e o acompanhamento das ações realizadas pelos municípios.
Entretanto, apesar do governo estadual possuir a responsabilidade de acompanhamento e avaliação das ações municipais de saúde, o governo federal exerce ações de fiscalização das ações de saúde executadas pelo município, sendo o caso das auditorias realizadas pelo Ministério da Saúde, mais especificamente pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DNASUS), para verificação das condições municipais de prestação de serviço de saúde pelo município e das avaliações realizadas pelas coordenações federais dos programas nele implementados. Sobre as avaliações realizadas pelo governo federal, o entrevistado E10 relata que o governo federal realiza avaliações periódicas, em relação aos programas nacionais adotados pelos municípios, e considera que essas avaliações impactam diretamente nas transferências de recursos, pois, se não detectado o cumprimento das condições federais estabelecidas, o município não atinge a meta determinada, o que compromete o recebimento de recursos de transferências vinculadas aos programas. Isso indica outro aspecto da accountability que é a possibilidade de análise de caso e punição em caso de algo inadequadamente realizado. Tais auditorias se encaixam na forma de accountability por meio de controle institucional ao longo do mandato, sendo processada de forma vertical.
Dois entrevistados relataram situações em que a atuação do DNASUS se fez presente; e é interessante notar que os dois consideraram que auditorias realizadas pelo departamento federal tiveram impactos positivos, pois geraram relatórios sobre ações específicas da saúde municipal, que o próprio município não tinha condições técnicas de gerar. Ou seja, os entrevistados viram nos relatórios de auditorias uma forma de obterem um diagnóstico da saúde municipal. O entrevistado E05 descreve a importância dos relatórios de auditoria realizados pelo governo federal ao dizer que:
Nós (Secretaria Municipal de Saúde) estamos em uma auditoria federal, o ministério da saúde está fazendo uma auditoria aqui em todos os PSF’s (Programa Saúde da Família) para verificar o que nós temos que melhorar, porque chegou uma demanda levada pela promotoria que nós estávamos muito ruins, lá em 2013. E a gente tem certeza que não melhorou não, pode até ter piorado, mas essa auditoria veio; vai levantar para gente, olha que beleza, eu vou ter um relatório, onde eu vou ter todas as necessidades para eu fazer a adequação. (E05, comunicação pessoal, 04 de dezembro de 2017)
A partir dessas informações, é possível inferir que falta ao município capacidade administrativa em certos serviços e em procedimentos de controle e avaliação que permitam identificar, de forma objetiva, as condições em que as ações de saúde estão sendo implementadas, e quais as adequações seriam necessárias.
Além da prestação de contas das ações de saúde que o governo municipal realiza para os órgãos da administração pública estadual e federal, o governo municipal, por determinação legal, também deve realizar a prestação de contas para o poder legislativo e para a sociedade civil, para que essa possa exercer o controle social. Estas prestações de contas se colocam como formas de accountability institucional durante o mandato.
Sobre a prestação de contas ao poder legislativo municipal, verificou-se que esse possui uma comissão específica para analisar as questões que envolvem a saúde municipal. Entretanto, verificou-se que a prestação de contas das ações de saúde para o poder legislativo municipal ocorre de forma protocolar, para atender as determinações legais, uma vez que nenhum entrevistado relatou acompanhamento efetivo por parte da câmara de vereadores de Viçosa-MG. Destaca-se o relato feito pelo entrevistado E05, que diz: “O governo municipal apresenta um relatório quadrimestral para a câmara, porém, na última reunião, a convocação foi feita pela presidente da câmara, e ninguém (vereador) foi, só ela” (E05, comunicação pessoal, 04 de dezembro de 2017). O não comparecimento dos vereadores no momento da prestação de contas das ações de saúde sinaliza a falta de envolvimento desses com a política de saúde municipal, até mesmo com a função de fiscalização atribuída originalmente ao poder legislativo. No mesmo sentido, o entrevistado E09 considera que, mesmo quando os vereadores comparecem ao momento da prestação de contas, a atuação dos mesmos é limitada, no sentido de questionar as ações de saúde executadas, sendo os comprometimentos para fins eleitorais o principal motivo, pois, segundo ele, “o papel que eles (vereadores) fazem é mais o de fiscalização, só que tem um porém, há alguns vereadores que têm dificuldades; tudo que vai precisar, por exemplo, vai precisar de mexer com um determinado vespeiro, eles não mexem”.
Segundo o relato dos entrevistados E03, E05 e E11, as esparsas ações de fiscalização na área da saúde do município que são realizadas pela câmara de vereadores ocorrem a partir de denúncias. Os três entrevistados destacaram, ainda, que a atuação dos vereadores é limitada e, normalmente, quando ocorre é no sentido de busca por atendimento a demandas individuais, ou seja, para atender à necessidade de um cidadão e que, para tanto, o vereador faz valer a sua influência político-eleitoreira.
O Ministério Público também foi considerado por nove entrevistados como um ator importante no sentido de fiscalização das ações de saúde realizadas pelo governo municipal. Três entrevistados destacaram que a ação do Ministério Público, de cobrança, ocorre de tal forma que acaba por intimidar os gestores municipais, conforme entende o entrevistado E05, ao dizer que: “O Ministério Público é um ator muito importante, mas demais; ele é importante, mas ele é mais intimidador; ele não deveria ser tão intimidador, mas ele é, ele ainda é” (comunicação pessoal, 04 de dezembro de 2017); embora os entrevistados reconheçam também a importância da cobrança do Ministério Público para a realização de algumas ações de saúde, o entrevistado E15 se manifestou sobre esse ponto da seguinte forma:
A gente já sabia que isso uma hora ia dar problema, mas vai deixando, deixando e uma hora, infelizmente (...) Não sei se nos outros municípios ocorre assim, mas enquanto não cai no juiz ou no Ministério Público não vai. O ministério Público influencia muito, e é complicado, se você (funcionário da gestão municipal de saúde) está como chefe de departamento, eu morro de medo disso. Mas eles (Ministério Público) atuam e cobram, só que assim, tem um viés meio complicado. Mas, na verdade, de vez em quando, o ministério público tem que acionar (o governo municipal) para ver se as questões (de saúde) são resolvidas. (E15, comunicação pessoal, 16 de janeiro de 2018)
O que se percebe é que a capacidade administrativo-financeira do governo municipal é limitada; dessa forma, em alguns momentos, necessária se faz a cobrança por parte do Ministério Público para que as ações de saúde sejam realizadas. No entanto, ocorre que os gestores municipais da saúde se veem intimidados, uma vez que sabem da possibilidade de serem responsabilizados pela falta de ação governamental em algum serviço de saúde.
Em termos administrativos, os funcionários e gestores municipais de saúde podem ser responsabilizados pela omissão de serviços de saúde, pela prestação do serviço de forma incipiente, e pela execução orçamentária indevida. Sobre esse aspecto da responsabilização, os gestores municipais de saúde entrevistados reconhecem ser possível identificar os responsáveis por cada ação de saúde. O entrevistado E07, ao ser perguntado sobre a possibilidade de identificação dos responsáveis em cada etapa da execução da saúde, assim respondeu: “Claro. Com certeza, cada ator tem seu papel, cada um tem suas tarefas” (E07, comunicação pessoal, 13 de dezembro de 2017). Entretanto, essa afirmação de que a responsabilização pelas ações é possível contradiz com o fato informado pelo próprio Entrevistado E07 de que a rede está desorganizada e que falta, por parte dos executores da saúde, uma noção clara de quais as atribuições os mesmos possuem, pois, se os executores da saúde municipal não possuem uma devida compreensão das suas atribuições, acredita-se que a responsabilização também não seja tão clara.
O momento da prestação de contas da política de saúde do município também é uma oportunidade para que a sociedade exerça a prerrogativa do controle social que lhe foi concedida pela Constituição Federal Brasileira de 1988. De fato, a sociedade tem a possibilidade de participar da prestação de contas do município estudado, uma vez que as ações públicas de saúde são apresentadas e apreciadas pelo Conselho Municipal de Saúde. Verificou-se, a partir da observação não participante e das entrevistas, que o conselho realiza, por comissão específica, análises detalhadas do RAG, e que essas análises fornecem subsídios para as várias cobranças que o conselho realiza perante o governo municipal. Todos os entrevistados consideraram adequada a atuação do Conselho Municipal de Saúde que se refere a cobrança e reconheceram a importância dessa atuação.
A partir da análise das atas do Conselho Municipal de Saúde referente ao ano de 2017, por exemplo, foi identificada uma atuação consistente referente ao RAG apresentado pela gestão municipal. O conselho de saúde identificou que vários indicadores de saúde do município não tinham sido alcançados no ano de 2016, e, a partir dessa identificação, convocou a gestão municipal para prestar esclarecimento; e convidou, também, o ministério público para que esse tomasse conhecimento e possíveis providências em relação ao não cumprimento dos indicadores. Sobre a apreciação do RAG de 2016 pelo Conselho Municipal de Saúde, o entrevistado E14 relata o seguinte:
No relatório nosso (RAG) do ano passado (2016), Relatório Anual de Gestão, que foi apresentado no conselho, vários indicadores de saúde estavam aquém do que desejamos para a saúde do município, e aí, o que ocorreu? Eu até entendo que nem tudo a gente dá conta de alcançar, mas ficar próximo é algo que nós temos que buscar minimamente. E tinham indicadores, eu me recordo de um na área da odontologia, que estava muito aquém, que você ficava assim, meu Deus, você (o município) tem uma rede teoricamente estruturada, você tem odontólogos em todas as unidades de atenção primária, mas você não consegue atingir minimamente um percentual de cobertura, o que está acontecendo aí? Então, a gente (Conselho Municipal de Saúde) chamou (a gestão municipal), aí foi o secretário de governo, foi o prefeito, o promotor, o procurador, foi um monte de gente preocupado com a aprovação do relatório, porque se (o conselho) reprovar relatório, é verba que corta do município; então, a gente fica numa faca de dois gumes no conselho, porque a gente tem esse poder, tem mesmo. (E14, comunicação pessoal, 23 de janeiro de 2018)
A partir do relato do entrevistado E14, identifica-se que, apesar do Conselho Municipal de Saúde realizar cobranças na fase de prestação de contas, na realidade, ele ainda encontra dificuldades para atuar de forma efetiva, uma vez que a rejeição do RAG, por parte do conselho, gera corte de repasses financeiros pelos governos estaduais e federais, o que gera uma perda significativa da possibilidade do governo municipal atender as demandas de saúde dos cidadãos. Nesse sentido, o entrevistado E12 ressalta que:
Nós (conselheiros) estamos ficando mais atentos a isso, e temos feito até um, não vou dizer retaliação, mas estamos tomando algumas atitudes que venham até contrapor posições da administração municipal, o conselho tem esse poder, e muitas vezes, não quer se indispor, porque às vezes você não quer aprovar um determinado projeto, mas se você rejeitar acaba a população saindo prejudicada, então muitas vezes acaba contemporizando as coisas e resolvendo as coisas de forma que não deveria. (E12, comunicação pessoal, 12 de dezembro de 2017)
O que se percebe é a despeito da atribuição legal ao conselho de um poder deliberativo em relação às ações de saúde do município; devendo exercer à função do controle das ações, podendo aprovar ou não a prestação de contas realizadas pelo poder público; de fato, o conselho possui dificuldade em exercer o seu poder deliberativo, e, consequentemente, de controle, pois, ao recusar a prestação de contas, pode inviabilizar ações de saúde no município, e esse não é o interesse do conselho. Ou seja, o conselho, ao exercer o poder de controle que lhe foi atribuído, além de punir o município, o prejudicaria ainda mais, uma vez que ocorreria uma diminuição dos repasses financeiros; dessa forma, pode-se inferir que o controle não fortalece a saúde municipal. A punição acaba enfraquecendo o ente municipal, ao invés de tentar auxiliar o ente municipal em corrigir a falha e aprimorar os serviços mal avaliados. O exercício de uma função de accountability, que é a punição, acaba por fragilizar o controlado e afetar a sua capacidade de resolução do problema. Isso por sua vez, faz com que o exercício da accountability seja afetada, sendo cumprida em parte, até onde vai a responsabilização pelos erros ou falhas de gestão.
No caso do RAG de 2016, por exemplo, verificou-se, a partir das atas do conselho municipal e do relato do entrevistado E14, que o conselho optou por conceder um prazo para que a gestão municipal viabilizasse o cumprimento dos indicadores. Sobre a atuação do conselho nesse caso específico de apreciação do RAG do ano de 2016, o entrevistado E14 considera que:
A gente (Conselho Municipal de Saúde) poderia reprovar esse relatório porque a gente viu um desajuste muito grande entre o que estava possível de ser alcançado. A gente já tinha votado (na fase do planejamento) o que era possível. Mas a gente (Conselho Municipal de Saúde) preferiu que o município tivesse um tempo para se readequar e apresentasse um avanço nesse sentido, e houve um avanço no nosso (do município) último relatório quadrimestral, não chegamos ainda no que estava proposto, mas, aí, eles arrumaram a coordenação da odontologia; fizeram essa forma de pensar na rede bucal; estão se organizando em relação a materiais; então, assim, mudou; mas essa foi realmente uma intervenção do controle social. (E14, comunicação pessoal, 23 de janeiro de 2018)
Dessa forma, verificou-se que a atuação do conselho de saúde do município de Viçosa-MG tem sido realizada preponderantemente no sentido de aprovação ou não dos relatórios apresentados pelo poder público e de realização de cobranças; ou seja, o conselho, no momento da prestação de contas, tem a oportunidade de se deparar com problemas municipais de saúde, mas isso não o torna um mecanismo de controle social efetivo e suas proposições de ações no momento da elaboração do planejamento sofrem resistência por parte da prefeitura.
O que corrobora tal entendimento é que as reuniões, muitas vezes, limitavam-se a discussões de matérias que precisavam obrigatoriamente da aprovação dos conselhos de saúde para se credenciarem ao recebimento de recursos financeiros, e o conselho atuava, basicamente, para “aprovação das contas”.
Além da participação no momento da prestação de contas da política de saúde municipal, a sociedade também pode realizar o controle social na política de saúde a partir do mecanismo da ouvidoria do SUS implantada no município, uma vez que essa, além de identificar as demandas de saúde, também pode ser utilizada como um mecanismo de controle. A ouvidoria do SUS é um mecanismo criado pelo governo federal, a partir do qual os cidadãos possuem a oportunidade de se manifestarem em relação aos serviços de saúde; dessa forma, o cidadão possui a oportunidade de participar diretamente do controle social das ações públicas de saúde; mas, também, é um mecanismo para que o governo federal possa controlar, de forma indireta, as ações realizadas pelos governos municipais. Sobre essa percepção em relação à ouvidoria do SUS, o entrevistado E08 considera que:
Ela é ouvidoria da saúde, do SUS, na verdade, a preocupação quando foi criada, que foi solicitada a criação das ouvidorias. O ministério da saúde queria compreender a utilização do sistema SUS nos municípios, compreender e conhecer se está sendo executada a política, se estão sendo executadas em nível municipal. (E08, comunicação pessoal, 13 de dezembro de 2017)
De fato, a ouvidoria pode ser reconhecida como mais um espaço em que é concedida voz à sociedade, uma forma de controle social; mas, também, pode ser compreendida como mais um mecanismo de controle do governo federal, pois possui um sistema de informação que é monitorado permanentemente pelo ministério; e, até mesmo uma forma de controle do próprio governo municipal, uma vez que, a partir dela, a secretaria municipal de saúde possui informações sobre a prestação de serviços realizadas pelas unidades de saúde do município. Ela é uma forma de controle institucional durante o mandato. Entretanto, não se verificou, a utilização da ouvidoria por parte do governo municipal como mecanismo de controle interno, podendo ser atribuída essa não utilização ao fato da mesma ter sido recentemente implantada no município.
Ocorre que, para que a sociedade possa realizar o controle social, necessário se faz que ela tenha acesso às informações e conhecimento das ações de saúde realizadas no município; ou seja, o governo municipal deve, além de instituir mecanismos de controle por parte da sociedade, criar também mecanismos que facilitem a comunicação, a publicização e a transparência das informações.
Neste sentido, identificou-se que o governo municipal possui um departamento para tratar da comunicação das ações governamentais. Esse órgão é o responsável por todo o trabalho de comunicação da prefeitura municipal, inclusive ao que é referente à política de saúde. Para dar publicidade às ações municipais, a prefeitura possui uma página de internet oficial, na qual disponibiliza as informações de interesse da sociedade, um perfil nas redes sociais, além de utilizar dos meios de comunicação da imprensa local (rádios e jornais impressos). No site oficial da prefeitura de Viçosa-MG, a sociedade tem acesso às informações de prestação de contas e das ações de saúde, a partir do portal da transparência. Para realizar a publicização dessas informações, segundo o entrevistado E05, o governo municipal possui um sistema de informação que para ele:
Veio facilitar, ele (o sistema de informação) pega os dados lá da licitação, vai lá e pega o salário de todo mundo e joga, e é muito melhor, porque a gente (a secretaria de saúde) tinha obrigação de fazer isso; então, agora, a partir do momento que foi publicada uma licitação, é tudo automático. (E05, comunicação pessoal, 04 de dezembro de 2017)
De fato, é possível identificar, no site da prefeitura municipal, os relatórios anuais de gestão. Entretanto, os entrevistados E05, E07 e E11 consideram que as ações do departamento de comunicação são incipientes. Sobre a comunicação das ações de saúde para a sociedade, o entrevistado E05 considera que:
Na verdade, o que tem hoje, que eu acho que é pouco, não muito acessível, é o portal da transparência. Eu acho que deveria ser uma ferramenta mais fácil; um exemplo poderia ser até um aplicativo; número de consultas realizadas em Viçosa, quatro mil; número de exames agendadas em Viçosa, tanto. Linguagem mais acessível, tudo. Ah! Por que eu não consigo agendar uma consulta? Porque realmente não tem consulta, ou eu estou tentando acessar, mas não tenho conhecimento? Onde eu tenho que acessar? Um guia de saúde mesmo (...) (E05, comunicação pessoal, 04 de dezembro de 2017)
Os entrevistados reconhecem a limitação do governo municipal no que diz respeito à comunicação das ações de saúde, e a atribuem ao fato de que o departamento municipal de comunicação é o responsável pelas informações de toda a prefeitura e que possui muitas atividades relacionadas às outras secretarias a serem desempenhadas. Os entrevistados destacam também que as ações de comunicação adotadas diretamente pela secretaria de saúde são realizadas, normalmente, por meio da imprensa local, uma vez que consideram que as informações fornecidas através das rádios e dos jornais locais alcançam de fato a sociedade como um todo.
O entrevistado E11, gestor municipal da saúde, ressalta que a secretaria de saúde do município prioriza a comunicação das ações por meio da imprensa local, pois acredita que o sistema de informação da prefeitura não é devidamente operacionalizado, mas destaca que a sociedade deveria tomar ciência das ações da secretaria por meio da própria rede de saúde instituída. Porém, o mesmo reconhece que a rede não repassa grande parte das informações para a sociedade.
Identificou-se mecanismos de comunicação, instituídos pelo governo municipal, para promover o conhecimento das ações de saúde municipal e a participação da sociedade. Entretanto, o fato das informações disponibilizadas serem geradas por sistemas que não realizam o tratamento adequado das mesmas, e, em virtude, do departamento responsável pela comunicação não ser específico da área da saúde, sinaliza para a possibilidade desses mecanismos de comunicação não cumprirem, de fato, o seu papel de comunicar. O esperado é que o governo municipal desenvolva procedimentos de controle e avaliação dos serviços prestados pelas unidades de saúde, estatais ou privadas, que prestem contas aos órgãos da administração pública, aos entes supranacionais, à sociedade civil e aos órgãos de atores, que realize as suas ações de forma transparente, e que, dessa forma, consiga envolver a sociedade em uma relação de cooperação com as ações governamentais com características que favorecem a governança democrática.
Considerações finais
A análise indica que o governo municipal instituiu mecanismos para melhorar a accountability, o que, consequentemente, favoreceria uma governança democrática em rede, uma vez que, ao melhorar a accountability, os atores não governamentais teriam possibilidade de conhecerem e de participar em ações públicas voltadas saúde municipal. Porém, o que se observou foi uma sociedade civil distanciada, uma atuação pouco propositiva por parte do poder legislativo e do conselho municipal de saúde, uma falta de ações por parte deste último no sentido de trazer a população para a participação. A partir da observação não participante, notou-se que as reuniões do conselho eram realizadas em um espaço físico pequeno e de portas fechadas, o que dizia muito em relação à incorporação da sociedade civil nessa instituição. Esses fatos sinalizam para a possibilidade de que os mecanismos instituídos pelo poder público não sejam efetivos, uma vez que os diversos atores não participavam, de forma propositiva, das ações de saúde, e que, alguns deles, demonstravam até desinteresse pelas informações, e que, dessa forma, não contribuíam para fortalecer a governança em redes e nem seu caráter democratizante.
Outro ponto fundamental, é que o modo pelo qual o ente controlado percebe os diferentes momentos da accountability pode levá-lo a posturas defensivas. Isso foi observado em relação ao TCU e em relação a possibilidade perda de verba, que fez o Conselho Municipal de Saúde atenuar a sua recomendação em relação ao desempenho ruim na questão odontológica, por exemplo. Por outro lado, tal posição adotada pelo Conselho, que dentre e as suas funções está a de controlar a Secretaria Municipal de Saúde, abriu para a Secretaria uma oportunidade de melhoria de serviços avaliados como aquém do que havia sido estabelecido.
Se constata a formalização de mecanismos de accountability, mas, esses não têm surtido o efeito esperado, o que pode comprometer a sua plena institucionalização e uma governança democrática em rede. O que se observou foi uma sociedade civil distanciada, uma atuação pouco propositiva do poder legislativo e do conselho municipal de saúde, uma falta de ações por parte do conselho no sentido de trazer a população para a participação; e mecanismos instituídos pelo poder público não efetivos, uma vez que os diversos atores não participavam de forma propositiva das ações de saúde, e que, alguns deles, demonstravam até desinteresse pelas informações, e, dessa forma, não contribuíam para fortalecer a governança pública em rede na saúde.
Este estudo aborda a governança da política municipal de saúde e os procedimentos de responsabilização. A partir de meados da década de 1990, com a vigência da Constituição Federal de 1988 e a instituição do Sistema Único de Saúde (SUS), o município passou a exercer o papel de operacionalizar essa política com novas formas de governança, baseada no modelo de rede, com a inclusão do conselho municipal de saúde. Dada a importância de compreender essa nova configuração, realizou-se um estudo de caso qualitativo com o objetivo de analisar o processo de governança da política de saúde do município de Viçosa, MG, mais especificamente os procedimentos de responsabilização. Como técnicas de pesquisa, foram utilizadas entrevistas, documentação e observações. Constatou-se que a institucionalização, pela prefeitura municipal, de mecanismos de governança de accountability não surtiu o efeito esperado, pois dentre outros motivos, os representantes da sociedade civil não tiveram o envolvimento esperado no conselho municipal de saúde, o que prejudicou a accountability da governança do setor municipal de saúde.
This study deals with the governance of municipal health policy and accountability procedures. From the mid-1990s onwards, under the ruling of the 1988 Federal constitution and the establishement of the Sistema Único de Saúde (SUS), the municipality began to play the role of operationalizing this policy with news forms of governance, based on a network model, with the inclusion of the municipal health council. Given the importance of understanding such new configuration, a qualitative case study was conducted with the objective of analyzing the governance process of the health policy of the municipality of Viçosa, MG, more specifically the accountability procedures. As techniques of research interviews, documentation and observation were applied. It was found that the institucionalization by the municipal government of governance mechanisms of accountability, did not have the expected effect, as civil society representatives did not have the envolvement expected in the municipal health council, among others issues, which undermined the accountability of the health municipal sector governance.
Este estudio aborda la gobernanza de la política municipal de salud y los procedimientos de rendición de cuentas. A partir de mediados de la década de 1990, con la promulgación de la Constitución Federal de 1988 y el establecimiento del Sistema Único de Salud (SUS), el municipio comenzó a operacionalizar esta política con nuevas formas de gobernanza, basadas en el modelo de red, con la inclusión del consejo municipal de salud. Dada la importancia de comprender esta nueva configuración, se realizó un estudio de caso cualitativo para analizar el proceso de gobernanza de la política de salud en el municipio de Viçosa, Minas Gerais, más específicamente los procedimientos de rendición de cuentas. Se utilizaron entrevistas, documentación y observaciones como técnicas de investigación. Se encontró que la institucionalización de los mecanismos de gobernanza de la rendición de cuentas por parte del gobierno municipal no tuvo el efecto esperado. Entre otras razones, los representantes de la sociedad civil no tuvieron la participación esperada en el consejo municipal de salud, lo que socavó la rendición de cuentas de la gobernanza municipal del sector salud.
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